O cartaz oficial de O Morro dos Ventos Uivantes, dirigido por Emerald Fennell, chega envolto em símbolos e provocações. Margot Robbie e Jacob Elordi surgem em pose de capa de romance erótico, como Catherine e Heathcliff, sob o slogan “Come undone”. A expressão em inglês é ambígua e forte — perfeita para marketing, porque pode significar muitas coisas e no contexto do cartaz, é como um aviso: “Prepare-se para perder o chão”, “Deixe-se despedaçar”, ou até “Renda-se ao colapso”. É ao mesmo tempo convite e ameaça, refletindo o espírito de O Morro dos Ventos Uivantes.
Nos outdoors, a promessa se repete em closes das mãos dos protagonistas, acompanhados da frase “Drive me mad”. A estratégia publicitária é clara: vender o filme como a grande história de amor gótico para o Valentine’s Day de 2026. Mas é justamente aí que mora a contradição — e o risco.

Visualmente, o cartaz não esconde sua filiação a uma das imagens mais icônicas de Hollywood: o abraço de E o Vento Levou, entre Scarlett O’Hara e Rhett Butler. Ao evocar essa referência, Fennell insere Catherine e Heathcliff na linhagem dos grandes romances condenados do cinema. Mas enquanto o filme de Victor Fleming oferecia um melodrama trágico, Brontë escreveu algo muito mais sombrio: uma história em que o amor é obsessão, em que a paixão se confunde com crueldade, e em que a destruição é inevitável.
Como já escrevi em colunas anteriores, me parece equivocada a visão de Fennell de reduzir O Morro dos Ventos Uivantes a uma narrativa de amor romântico. A obra de Emily Brontë não é uma ode ao amor, e sim um mergulho em suas formas mais destrutivas, cruéis e narcísicas. A relação entre Heathcliff e Catherine é tóxica, obsessiva e assustadora, muito distante da ideia de “romance ideal” que a data de lançamento sugere. Transformar essa tormenta emocional em produto para o Dia dos Namorados soa, no mínimo, como um paradoxo — embora, talvez, seja exatamente esse paradoxo que Fennell deseja explorar.


As polêmicas em torno da produção só reforçam esse caráter provocador. Houve críticas à escalação de Jacob Elordi como Heathcliff — personagem descrito por Brontë como não branco — e também às idades dos protagonistas, que destoam das versões literárias. Além disso, os primeiros cortes exibidos em sessões-teste foram descritos como hiperssexualizados, frios, agressivamente provocativos, gerando reações divididas. Tudo condizente com a assinatura de Emerald Fennell: uma diretora ousada, perturbadora e sem medo de criar desconforto, como já provou em Promising Young Woman e Saltburn.
Talvez seja justamente essa dissonância — entre a campanha de marketing que vende um épico romântico e a obra em si, marcada pela destruição — que dará força ao filme. Afinal, O Morro dos Ventos Uivantes nunca foi uma história de amor para acalentar. É uma história de amor para ferir, enlouquecer e deixar cicatrizes. E se Fennell abraçar esse abismo com toda a sua veia provocadora, poderemos ter diante de nós não apenas mais uma adaptação literária, mas um manifesto sobre a impossibilidade de domesticar as paixões humanas.
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