Quando O Fabuloso Destino de Amélie Poulain estreou em 2001, parecia um presente para um cinema que andava descrente da fantasia. A delicadeza do olhar de Jean-Pierre Jeunet, os cenários saturados de cor, a trilha inconfundível de Yann Tiersen e o jeito quase ingênuo de Audrey Tautou transformaram o filme num sucesso mundial improvável: mais de 170 milhões de dólares em bilheteria, cinco indicações ao Oscar, prêmios em Londres e Paris, e Montmartre eternizado como ponto turístico de quem buscava o “café da Amélie”. Mas mais do que os números, Amélie se tornou uma linguagem. Um jeito de falar do absurdo cotidiano com poesia, ironia e leveza.
É curioso, então, que Amanda Knox tenha escolhido justamente esse filme como seu favorito — e como lente para se contar. Inocentada judicialmente, mas nunca liberta da caricatura que a mídia construiu, Knox viveu um espetáculo grotesco: manchetes que a transformaram em femme fatale, julgamentos televisivos que valiam mais que o tribunal. O que para muitos seria só tragédia, para ela ganhou contornos de fábula absurda. Ao se apropriar de Amélie, Knox escolhe não se narrar pelo melodrama, mas por um tom lúdico, quase distanciado. Como se só fosse possível suportar o horror tratando-o como uma história improvável demais para ser levada a sério.

E é justamente aqui que a série The Twisted Tale of Amanda Knox tenta (e falha) em repetir esse gesto. Há momentos inventivos — planos simétricos, cores que piscam um aceno ao cinema de Wes Anderson, e até lampejos de lirismo que lembram o olhar de Amélie sobre os pequenos gestos. Grace Van Patten, no papel de Knox, consegue imprimir nuances de fragilidade e confusão, entregando uma atuação que resiste ao peso de um roteiro irregular. Mas os críticos estão certos: o tom vacila. O lúdico parece colado artificialmente ao trágico, e a poesia cede rápido ao artifício.
O problema maior é o desequilíbrio. A série, ao tentar devolver a Amanda sua própria narrativa, acaba esvaziando o contexto — Meredith Kercher permanece na sombra, e os mecanismos institucionais que sustentaram a farsa judicial se reduzem a pano de fundo. No lugar de uma reflexão sobre misoginia midiática ou falhas judiciais, o que se tem é uma repetição estilizada de uma história já contada demais, mas pouco compreendida.

Concordo com os críticos: falta profundidade, falta coragem de ir além da superfície. E, ao mesmo tempo, é justamente isso que torna ainda mais interessante a comparação com Amélie. Porque no filme francês, eram os detalhes mínimos — uma colher no crème brûlée, um bilhete esquecido, um olhar discreto — que revelavam um mundo inteiro. É esse olhar que faria falta na série. Amanda Knox pode até se agarrar à poética de Amélie para suportar o absurdo que viveu, mas a adaptação televisiva parece esquecer que, para dar sentido ao horror, não bastam cores e enquadramentos. É preciso ouvir o silêncio, dar espaço ao que foi apagado.
No fim, a ironia é cruel: Amélie Poulain, um conto sobre como pequenos gestos mudam destinos, segue mais potente como chave para entender Amanda Knox do que a própria série feita para contar sua história.
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