Task: um duelo moral em terreno conhecido, mas de novas camadas

Após dois meses em uma cápsula do tempo que nos transportou para o drama dos ricos em uma Nova York do século 19, com The Gilded Age, a HBO agora nos leva para a Pensilvânia rural, trabalhadora e nada glamourosa — ironicamente a terra de Marian Brook — para apresentar Task, um drama que já engata nos primeiros minutos e nos deixa presos ao que acontece na tela.

E não é coincidência que a comparação imediata seja com outro sucesso de alguns anos, Mare of Easttown. O criador das duas obras é o mesmo: Brad Ingelsby, um contador de histórias que encontrou na sua própria terra natal não apenas a ambientação, mas o coração dramático de suas séries. Se em Mare ele nos deu uma detetive devastada por perdas, aqui ele volta ao mesmo ponto de partida — um herói quebrado, que bebe para aguentar o peso da vida e ainda assim é brilhante no que faz — mas troca o mistério de “quem matou e por quê” por uma trama que coloca frente a frente protagonista e antagonista, dois homens que poderiam estar em lados opostos ou espelhados, dependendo do ângulo.

O primeiro episódio, “Crossings”, já anuncia esse peso, começando de forma quase doméstica: Tom Brandis (Mark Ruffalo) pergunta à filha se ela quer passar na Rita’s depois da escola, enquanto bebe em um copo de plástico do Phillies. O detalhe importa: estamos outra vez naquele universo de sotaque carregado, de wooter ice e “youse guys”, onde cada esquina respira Filadélfia e cada personagem carrega no jeito de falar um pedaço de identidade. Ingelsby faz questão de marcar esse retorno para dizer que o território é o mesmo, mas a história será outra.

Tom é um agente do FBI praticamente aposentado, que passa os dias em feiras de carreira tentando recrutar novos talentos. Mas quando uma série de roubos violentos assusta a região, ele é puxado de volta ao campo, incumbido de liderar uma força-tarefa. É um protagonista já cheio de cicatrizes: ex-padre, viúvo, pai em conflito com o filho adotivo que aguarda julgamento e que ele se recusa a visitar, enfrentando uma pena que pode chegar a 15 anos. A dor não o paralisa — apenas o deixa mais duro, mais ácido, mais propenso a beber em copos de plástico. Ele é, como já foi dito, um Columbo moderno: bagunçado, melancólico, mas brilhante no que faz.

Do outro lado está Robbie Prendergrast (Tom Pelphrey), um coletor de lixo que esconde à noite sua verdadeira atividade: lidera uma pequena quadrilha que invade casas de traficantes locais. O plano parece infalível — afinal, quem vai denunciar à polícia o roubo de dinheiro que já vinha do crime? — e Robbie o executa com a naturalidade de quem acredita estar apenas desviando a violência de lugar. Pelphrey entrega o sotaque e a dureza de forma tão visceral que assusta: ele é o retrato vivo daquele universo, alguém que grita por “Whiz Wit” em uma lanchonete e que sonha, paradoxalmente, com uma ilha no Canadá onde possa balançar em uma rede.

Mas esse não é um antagonista simplório. Robbie é pai, foi abandonado pela esposa, tem dois filhos criados com a ajuda da sobrinha Maeve (Emilia Jones), uma jovem que também carrega traumas demais para sua idade — o pai dela, irmão de Robbie, foi assassinado, em circunstâncias ainda obscuras. Maeve fala em desespero, em sentir-se presa a uma vida que não muda, e Robbie responde com a ilusão de um futuro melhor. É um criminoso que ama, um bandido que não quer ser cruel. Essa ambiguidade o coloca quase no mesmo patamar de fragilidade de Tom.

A trama começa a se fechar quando descobrimos que sete das nove casas já invadidas pertencem ao Dark Hearts, um grupo de motociclistas violentos. Isso indica que os assaltos não são apenas oportunismo, mas um enfrentamento perigoso com consequências maiores do que Robbie imagina.

É nesse ponto que Tom reúne sua força-tarefa: Anthony Grasso (Fabien Frankel), do setor de crime organizado; Elizabeth “Lizzie” Stover (Allison Oliver), uma policial atrapalhada que perdeu até o e-mail da convocação; e Aleah Clinton (Thuso Mbedu), séria e pragmática, vinda da divisão de homicídios. O grupo trabalha em uma base improvisada, um antigo esconderijo, e serve como contraponto humano ao peso da história — Lizzie com seu jeito desajeitado, Tom com suas manias alcoólicas e melancólicas, Anthony e Aleah tentando manter alguma ordem.

Enquanto isso, o décimo assalto de Robbie dá errado. Eles levam um novato (Owen Teague), encontram resistência, se deparam com um visitante armado e o caos termina em morte. É a primeira vez que a operação deixa cadáveres pelo caminho. E quando parece que tudo piorou, surge um menino de oito anos, saindo do porão: “Vocês são amigos do meu pai?”. Robbie não é capaz de machucar a criança — mas levá-la embora, mesmo devolvendo depois, é um gesto que transforma roubo em sequestro. E é justamente esse detalhe que faz com que o caso, antes restrito a dinheiro sujo, se torne prioridade nacional. A partir daqui, não se trata mais apenas de criminosos x FBI, mas de uma cidade inteira voltada para encontrar um garoto desaparecido.

O piloto fecha, assim, com as cartas na mesa: Tom e Robbie são dois homens devastados, cada um buscando redenção à sua maneira. Um tenta sobreviver ao luto e à culpa, o outro tenta justificar crimes como meio de salvar a família. Ambos estão fadados a se confrontar, mas o espectador já sabe que não haverá vencedores fáceis — só camadas de dor, fé, esperança e a constante pergunta: o que, afinal, nos torna heróis ou vilões?

E há uma razão para Ingelsby insistir nessa geografia. Filadélfia e seus arredores não são apenas cenários, mas personagens silenciosos de suas obras. É onde ele nasceu e cresceu, e de onde extrai a autenticidade que dá peso a cada diálogo, cada sotaque carregado, cada bar local ou campo vazio. A região lhe fornece não só textura cultural, mas também um contraste brutal entre esperança e decadência: são histórias de gente comum, de operários, policiais, jovens perdidos e famílias estraçalhadas, sempre em choque com a promessa americana. É o terreno perfeito para falar de fé, culpa, masculinidade e sobrevivência.

Task mostra já em seu primeiro episódio que não quer reinventar o gênero, mas humanizá-lo ao extremo. Não é sobre a originalidade do crime, mas sobre o peso dos personagens. É sobre como o FBI, uma quadrilha de lixeiros e uma família destruída podem ser faces de uma mesma paisagem social. Ingelsby volta ao território que domina e entrega mais uma vez aquilo que fez de Mare of Easttown um fenômeno: personagens que parecem gente de verdade, falando como gente de verdade, vivendo dramas que ultrapassam a tela.


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