Ryan Murphy e o Horror de Ed Gein: Uma Nova Perspectiva

O trailer de Monster: The Ed Gein Story já chegou mostrando que Ryan Murphy sabe transformar até os crimes mais sombrios em espetáculo televisivo de primeira. E se havia alguma dúvida sobre a escala dessa nova temporada da antologia, a escolha de escalar Charlie Hunnam como o lendário assassino do meio-oeste americano dissipou todas de imediato. Hunnam tem um grupo de fãs fiéis há décadas — desde Queer as Folk até Sons of Anarchy — e aqui ele parece finalmente ter encontrado um papel que vai desafiar a sua imagem de protagonista heroico. A atuação promete ser das mais sombrias da sua carreira, um mergulho profundo num personagem complexo, trágico e assustador.

Ryan Murphy, que já fez história com Dahmer, parece fascinado em revisitar Gein, talvez o mais macabro dos serial killers americanos. E a escolha de narrativa sugere que não veremos apenas os crimes, mas também os fantasmas internos, a psicologia distorcida e a solidão desse homem que inspirou ícones culturais como Psicose e O Massacre da Serra Elétrica. O trailer deixa claro que essa não será apenas uma reencenação de violência, mas um estudo sobre moralidade, isolamento e pecado — e aí entra a escolha de trilha sonora que deixou o mundo pop em êxtase.

Quando, no meio do trailer, começa a tocar “It’s a Sin”, clássico dos Pet Shop Boys, a experiência muda de nível. A música — grandiosa, quase litúrgica — traz com ela uma sensação de julgamento, de cerimônia religiosa, de um tribunal moral. A letra, escrita por Neil Tennant ainda nos anos 1980 e inspirada pela sua própria educação católica, fala sobre culpa e vergonha: “When I look back upon my life / It’s always with a sense of shame / I’ve always been the one to blame.” É como se o próprio Gein estivesse confessando seus pecados para o público. Tennant já contou que escreveu a canção lembrando das lições rígidas de moralidade de sua juventude, em que quase tudo era considerado pecado — e transformou essa memória em algo exagerado, teatral, quase uma paródia da própria culpa.

Mas, no contexto do trailer, essa ironia vira tragédia. A canção ganha uma nova camada, funcionando como comentário sobre a mente de Gein: o homem preso entre seus desejos e os códigos morais da época, alguém que cresceu em um ambiente religioso opressivo, obcecado pela mãe, e que acabou expressando sua dor de forma monstruosa. Murphy parece usar a música não apenas como trilha, mas como chave de leitura para a série: não se trata só de crime, mas de pecado, de transgressão moral e espiritual.

A produção do single original também reforça esse efeito. Gravada e lançada em 1987 como parte do álbum Actually, “It’s a Sin” foi um estouro imediato, ficando três semanas no topo das paradas no Reino Unido e se tornando um dos maiores sucessos da dupla. O arranjo é dramático, com sintetizadores imponentes, “orchestra hits” e até um trecho em latim do Confiteor — a oração católica de confissão — que ecoa como uma missa negra. Para o trailer, esse clima de liturgia e julgamento casa perfeitamente com as imagens de Hunnam ora em silêncio, ora em momentos de ruptura, ora sendo confrontado pela realidade do que fez. É quase como se a própria música fosse a voz da consciência de Gein.

A escolha também é ousada e pop, algo que Murphy adora fazer. Assim como em Dahmer ele usou recursos visuais e sonoros para dar uma camada extra de desconforto, aqui ele usa uma música que é ao mesmo tempo dançante e pesada, um hino das pistas de dança transformado em trilha para um dos maiores horrores da história americana. O efeito é hipnótico: o espectador é atraído para a história ao som de algo familiar, mas logo se dá conta de que está entrando em território perigoso.

E é impossível não falar do clipe original, dirigido por Derek Jarman, que já trazia imagens de julgamento, inquisidores, símbolos dos sete pecados capitais. É como se o videoclipe tivesse nascido para um dia ser reaproveitado num contexto desses. Ao mesmo tempo, há uma ironia quase cruel: a música que era, em parte, uma crítica à opressão religiosa agora é usada para pontuar a trajetória de alguém que virou o próprio monstro.

No fim, o trailer de Monster: The Ed Gein Story mostra que Ryan Murphy continua dominando o jogo do true crime televisivo. Ele sabe que não basta recontar fatos: é preciso provocar, incomodar, mexer com o imaginário coletivo. Ao escolher Charlie Hunnam para viver Gein e ao usar “It’s a Sin” como trilha, Murphy anuncia que quer explorar não só o horror do que aconteceu, mas o que ele diz sobre moralidade, repressão e sobre como a sociedade cria seus monstros. E se o trailer já causa esse impacto, a série promete ser uma das experiências mais intensas da temporada. Prepare-se: vai ser um pecado perder.


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