Em 2025, celebramos os 135 anos de nascimento de Agatha Christie — e em 2026, 50 anos de sua morte —, um marco que reforça o quanto sua obra permanece viva e central no imaginário do público. Não é exagero dizer que Christie não apenas popularizou o whodunit, mas o transformou na forma definitiva do mistério moderno. Ela não “inventou” o gênero — Wilkie Collins já tinha escrito The Moonstone em 1868, e Conan Doyle havia dado vida a Sherlock Holmes —, mas foi ela quem pegou esse arcabouço e o refinou até se tornar um jogo de xadrez elegante, no qual o leitor é desafiado a competir com o detetive para descobrir o culpado.
O whodunit de Christie é tão característico que se tornou quase uma fórmula matemática: um grupo fechado de suspeitos, um crime que parece impossível, pistas deixadas de forma justa para que o leitor possa tentar desvendar, um detetive perspicaz e uma revelação final que, uma vez conhecida, faz todas as peças se encaixarem. Essa “jogo limpo” — o chamado fair play — é o que torna a experiência tão recompensadora. Não se trata apenas de ler sobre um crime, mas de participar da investigação.

As Grandes Reviravoltas
Christie escreveu 66 romances policiais e 14 coletâneas de contos, mas algumas de suas obras são célebres por reviravoltas que mudaram para sempre o gênero. O Assassinato de Roger Ackroyd (1926) é considerado um divisor de águas: seu narrador, o Dr. Sheppard, é também o assassino, algo que quebrou todas as expectativas e, na época, gerou debates acalorados sobre “jogo justo”. E Não Sobrou Nenhum (1939) é outro marco: dez estranhos isolados numa ilha são mortos um a um, e não há detetive para resolver o caso — o que torna o livro quase uma meditação sobre culpa e justiça. É, até hoje, o livro mais vendido de Christie (mais de 100 milhões de cópias), e um dos romances mais vendidos de todos os tempos, perdendo apenas para a Bíblia e Shakespeare.
Assassinato no Expresso do Oriente (1934) talvez seja sua história mais famosa, e com razão: o desfecho, no qual todos os suspeitos são culpados, é uma subversão brilhante da premissa do whodunit — e ainda assim completamente lógica. Morte no Nilo (1937) e Convite para um Homicídio (1950) são outros exemplos de como Christie adorava enganar o leitor, criando narrativas onde as pistas sempre estiveram à vista, mas o olhar do leitor foi habilmente desviado.

Do Papel às Telonas
O cinema rapidamente se apaixonou por Christie. Assassinato no Expresso do Oriente foi adaptado em 1974 por Sidney Lumet, com um elenco estrelado (Albert Finney, Lauren Bacall, Ingrid Bergman), e é considerado uma das melhores transposições de um romance policial para o cinema. John Guillermin levou Morte no Nilo aos cinemas em 1978, com Peter Ustinov como Poirot — um ator que se tornaria um dos rostos mais associados ao detetive belga.
Nas últimas décadas, Kenneth Branagh assumiu a missão de apresentar Christie às novas gerações. Seu Poirot é mais humano, mais ferido emocionalmente, com um passado explorado em Assassinato no Expresso do Oriente (2017), Morte no Nilo (2022) e Morte em Veneza (2023), adaptação livre de A Noite das Bruxas. Branagh trouxe mais ação, cenários luxuosos e uma fotografia quase operística — elementos que dividem os fãs mais puristas, mas que certamente revitalizaram o interesse do público jovem. Morte em Veneza, em particular, é ousada: leva a trama para uma cidade em clima de fantasia sombria, quase gótica, e transforma o caso numa história de fantasmas, ampliando a ideia de Poirot como um homem assombrado — não apenas pelos crimes que resolve, mas pelos traumas de sua própria vida.


A Vida de Agatha
Agatha Mary Clarissa Miller nasceu em Torquay, Devon, em 1890, filha de um americano e de uma inglesa. Cresceu numa casa confortável, foi educada em casa e sonhava ser cantora de ópera — chegou a estudar canto e piano em Paris, mas uma timidez quase paralisante e uma voz que os professores consideravam “bonita, mas não poderosa” a afastaram dos palcos. Voltou para a Inglaterra e, incentivada pela mãe, começou a escrever histórias para se distrair.
Durante a Primeira Guerra Mundial, trabalhou como enfermeira e depois como assistente em farmácia — foi aí que aprendeu sobre venenos, um conhecimento que usaria extensivamente em seus livros. Seu primeiro romance, O Misterioso Caso de Styles (1920), apresentou ao mundo Hercule Poirot. O livro foi recusado por diversas editoras antes de ser publicado, e rapidamente ganhou leitores.
Seu primeiro casamento, com o aviador Archibald Christie, terminou de forma dolorosa, quando ele pediu o divórcio alegando estar apaixonado por outra mulher. Foi nesse período que Agatha viveu seu famoso desaparecimento em 1926: ela abandonou o carro, desapareceu por 11 dias e foi encontrada num hotel registrada com o nome da amante do marido. Até hoje o episódio é debatido — biógrafos acreditam que ela sofreu um colapso nervoso, fruto do estresse e da depressão.

Em 1930, Agatha casou-se com o arqueólogo Max Mallowan, com quem viveu uma relação feliz até a morte dela. As viagens ao Oriente Médio com Mallowan inspiraram alguns de seus livros mais atmosféricos, como Morte no Nilo e Encontro com a Morte.
Christie morreu em 1976, aos 85 anos, de causas naturais, em sua casa em Oxfordshire. Sua morte foi sentida como o fim de uma era: jornais do mundo todo publicaram obituários que a chamavam de “a maior contadora de histórias do século XX”.
Um Legado que Não Envelhece
Cinco décadas depois de sua morte, Agatha Christie segue sendo uma das autoras mais lidas do planeta, com mais de dois bilhões de livros vendidos. Suas histórias continuam a ser adaptadas para cinema, televisão, teatro e até videogames. E, talvez o mais notável, o whodunit que ela aperfeiçoou segue funcionando: de Knives Out a Only Murders in the Building, de romances contemporâneos de Lucy Foley aos thrillers de streaming, todos ecoam Christie de alguma forma. Assim como Veja como eles Correm, The White Lotus ou The Afterparty.

Por que ainda funciona? Porque sua obra toca num desejo universal: o de trazer ordem ao caos. O crime quebra o equilíbrio, mas a solução do mistério restaura a lógica do mundo. E isso nunca deixa de ser satisfatório — nem em 1925, nem em 2025. Christie segue insuperável porque seu trabalho não é apenas entretenimento, mas um pacto de inteligência com o leitor. Aos 135 anos de seu nascimento, seu nome continua sendo sinônimo de mistério bem contado — e provavelmente continuará sendo por muitas gerações.
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