Alien: Earth – O Penúltimo Episódio que Mudou as Regras do Jogo

Não sou fã de terror — nunca fui. Os sons da franquia Alien, o gore, o vômito ácido, o horror corporal que sempre foi sua marca… tudo isso me repele. O universo de Alien me deixava com os olhos semicerrados no cinema, pronta para desviar o rosto antes do susto ou do nojo. Ainda assim, me rendi a Alien: Earth. Não só assisti a tudo (menos os dois últimos episódios, que estou com a plateia): me vi fascinada.

O brilhantismo de Noah Hawley é inegável. Ele conseguiu expandir uma mitologia que parecia fechada em si mesma e transformá-la em um drama existencial e político, algo que vai além do “caçar ou ser caçado”. Episódio após episódio, a série foi retirando camadas do que conhecíamos como Alien. Se no cinema a força sempre esteve no silêncio e no mistério, aqui Hawley ousa dar contexto, voz e até função dramática aos xenomorfos. Essa escolha dividiu fãs desde o anúncio — e não é difícil entender por quê. Há algo de profano em tentar humanizar (ou “animalizar”, no sentido de domesticar) o monstro. E ainda assim, é exatamente isso que torna Alien: Earth tão perturbadora: ela nos obriga a olhar para dentro do monstro, e consequentemente para dentro de nós.

O penúltimo episódio da temporada (o 7º) é a virada de chave definitiva. Foi uma coisa ver a série aos poucos revelar que Wendy (Sydney Chandler) estava desenvolvendo o poder de se comunicar com os xenomorfos. Isso poderia ter levado a muitos caminhos diferentes — especialmente com Boy Kavalier (Samuel Blenkin) servindo como o marionetista cruel por trás de Wendy e de seus “irmãos” híbridos. Mas é outra coisa completamente diferente quando, finalmente desiludida com as manipulações da Prodigy, Wendy decide libertar seu “xeno-pet” de sua cela — com uma sala cheia de funcionários ainda lá dentro. O que se segue é puro Alien em sua forma mais visceral: o xenomorfo dilacera cientistas, técnicos e depois um esquadrão de soldados da Weyland-Yutani, encerrando o episódio em um cliffhanger tão brutal quanto simbólico. Não estamos mais no território do horror claustrofóbico de Ridley Scott: estamos num campo de guerra onde a criatura é usada como instrumento de rebelião. Wendy não é mais vítima. Ela é agente — e seu ato é tanto libertação quanto condenação. Um dos cartazes da série, aliás, era bastante spoilery.

Essa virada narrativa é poderosa e também controversa. É uma inversão completa da dinâmica central de Alien. Desde os anos 2000, fãs reagem mal quando novas produções tentam dar explicação, genealogia ou psicologia para o xenomorfo. Parte do poder do monstro está em ser desconhecido. Ver Wendy transformar a criatura em algo entre bicho de estimação e arma de vingança é desconcertante. Mas aqui está o ponto: essa é justamente a ousadia de Hawley. Ao dar a Wendy esse poder, ele cria uma discussão moral complexa. Não é apenas um espetáculo de carnificina. É uma escolha consciente de uma personagem que ainda é, tecnicamente, uma criança. Uma menina libertando uma criatura assassina para matar outros humanos — e achando nisso um ato de justiça. Essa é uma das ideias mais perturbadoras que a série já apresentou, e é impossível não reagir. Há quem veja nisso uma “quebra de lógica” da franquia, mas é também o momento em que Alien: Earth se torna mais ousada.

A transformação de Wendy é o coração emocional da temporada. Hawley tem construído essa virada desde o primeiro episódio. Os híbridos sempre foram o centro da narrativa — e, nesse sentido, a série é quase uma fábula sobre o que fazemos com as crianças e adolescentes de hoje: criamos sistemas hostis, destruímos o planeta, fazemos deles cobaias das nossas guerras e experimentos sociais, e depois esperamos que sigam “normais”. Kirsh (Timothy Olyphant) é o mentor, quase um profeta, empurrando os híbridos a rejeitar sua humanidade e abraçar algo “maior”. Wendy já havia mostrado poderes muito além do previsto: controle remoto de máquinas, combate físico capaz de matar um xenomorfo, e agora comunicação plena com eles. Libertar o “pet” é o ápice dessa jornada de emancipação. Mas é também o momento em que ela se afasta do que entendemos como humano. Que Wendy se sinta mais próxima de um alienígena criado pela Prodigy do que dos humanos que a traíram é um comentário devastador sobre pertencimento. Ela escolhe o outro, o estranho, o inaceitável — e, ao fazer isso, renuncia à comunidade humana que já a havia rejeitado.

Boy Kavalier é um vilão fascinante justamente porque nunca é caricatural. Ele não é apenas um “cientista louco”, mas um homem que quer reescrever a própria natureza humana — e controlar o que virá depois dela. Há um subtexto quase religioso no que Boy faz: ele quer ser o deus do novo mundo, e os híbridos são suas criaturas. A presença do Species 64 (o alien da cabra) é parte desse arco: ele é a experiência-limite, a criatura que não sabemos se é arma, oráculo ou aberração. Tudo nele é desconfortável, e é possível que no episódio final vejamos Boy tentar usá-lo como a peça-chave de sua visão distorcida de evolução. Uma das maiores forças de Alien: Earth é como ela traz para primeiro plano o que sempre esteve nas entrelinhas da franquia: a política do corpo. Alien sempre foi sobre gravidez forçada, exploração corporativa, violência de gênero e capitalismo canibal. Hawley apenas tornou isso explícito. Agora, não há como assistir sem pensar em ética científica, biotecnologia, IA, corpos controlados por governos e empresas. E há ainda o horror existencial: Wendy pode ser a salvação ou o fim da humanidade — e talvez não haja diferença entre uma coisa e outra. A série nos força a perguntar se queremos mesmo sobreviver em um mundo que exige esse tipo de pacto.

Quando perguntado pela GQ sobre o que esperar da finale, Timothy Olyphant descreveu exatamente o que eu sinto agora: “Quando filmamos aquele final, tive uma das minhas sensações favoritas: parecia totalmente inesperado, mas inevitável. Como se fosse óbvio que era para onde tudo estava indo desde o começo. Acho que vai ser ao mesmo tempo um final muito satisfatório e que vai deixar as pessoas inclinadas para a frente, querendo mais.” Estou exatamente assim: inclinada para frente, ansiosa e nauseada. A série não me deixa descansar. Sei que o episódio final vai me torturar, mas também sei que vou assistir. Porque Alien: Earth nunca se contentou em ser apenas terror ou ficção científica: ela cutuca, dói, pergunta o que é ser humano — e se ainda vale a pena ser.

Wendy vai se voltar contra seu irmão, a quem acredita a ter traído? Quem Boy Kavalier acredita ser o veículo perfeito para instalar o “olho” e interagir com a espécie alienígena inteligente? Minhas fichas são para que ele tente fazer a experiência com a própria Wendy, ou, sim, seu irmão. Ele querer não é muito: será que consegue?

O penúltimo episódio é mais que uma preparação para o final: é uma declaração de guerra contra nossa complacência. Ele pergunta o que estamos dispostos a aceitar como justo, como humano, como moral. Wendy se torna juíza, carrasca e libertadora. E nós, espectadores, nos tornamos cúmplices. Eu, que entrei nesse universo com os olhos semicerrados, agora assisto de olhos bem abertos — mesmo que isso me custe uma noite de enjoos. Porque é isso que boa ficção faz: ela nos força a encarar o monstro. E às vezes, o monstro somos nós.


Descubra mais sobre

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Deixe um comentário