The Seduction: A Ascensão da Marquesa

Já falei muito aqui em Miscelana o quanto gosto do livro e do filme Ligações Perigosas. Depois da mal-sucedida série da Starz de 2022, uma nova produção que se propõe revisitar o original entrou em produção e a série Meurteil ganhou novo nome internacional: A Sedução, e chega à HBO MAX em novembro de 2025.

A obra original de Pierre Choderlos de Laclos tem quase 245 anos e abalou os alicerces da sociedade francesa antes da Revolução. Ele foi escrito no formato de cartas trocadas por nobres, expondo sem pudor as intrigas, vinganças e jogos eróticos da aristocracia. Dizem que era o livro favorito de Marie Antoinette e contava a história do Visconde de Valmont e da Marquesa de Merteuil, dois mestres da manipulação que transformaram a sedução em arma, tanto para prazer quanto para destruição. Essa combinação de erotismo, crueldade e inteligência fascinou gerações — e ainda hoje fascina.

Das várias versões, a de 1988 ainda é a adaptação definitiva, com Glenn Close e John Malkovich em atuações icônicas. Hollywood fez a sua versão adolescente em Cruel Intentions, transformando a intriga em drama teen e, em 2022, como falei, a Starz arriscou contar o que nunca tínhamos visto: como tudo começou. Deu errado e foi cancelada antes de concluir a história.

Daí meu receio com a nova tentativa de traçar a juventude dos antagonistas sedutores, mas os detalhes começaram a surgir e, aos poucos, The Seduction se tornou uma das estreias mais aguardadas do ano. Com lançamento marcado para 14 de novembro de 2025, e episódios semanais até 19 de dezembro, a série é 100% francesa e filmada na Normandia e em castelos de Île-de-France, o que por si só já a aproxima mais da atmosfera do romance. Mas o que mais me empolgou foi a visão da diretora e criadora Jessica Palud. Em entrevistas, ela deixou claro que não queria repetir Frears, e nem poderia: “Ninguém pode interpretar Malkovich. Não podemos tentar fazer isso”, disse ela, explicando que o Valmont de Vincent Lacoste seria moderno, sedutor, com humor, panache e escuridão, um homem capaz de ser engraçado e cruel na mesma medida. Palud quis fazer algo que nunca tínhamos visto: uma continuação espiritual de Ligações Perigosas, que mostrasse não apenas como Merteuil se tornou a mulher que conhecemos, mas também o que acontece depois da queda — uma espécie de epílogo que Laclos nunca escreveu.

O elenco é de luxo. Anamaria Vartolomei, que já havia trabalhado com Palud no filme Being Maria, dá vida a Isabelle de Merteuil. Palud a escolheu sem hesitar porque sabia que a atriz tinha a inteligência e a ironia necessárias para o papel, alguém capaz de ser cínica e vulnerável, sagaz e frágil. Diane Kruger interpreta Madame de Rosemonde, uma personagem que no filme de Frears era uma senhora de 80 anos nos bastidores, mas que aqui ganha corpo, juventude e força dramática. Palud quis que Rosemonde fosse mais do que uma espectadora: ela é uma mulher que pertence ao velho mundo, mas que observa com fascínio e cautela essa Merteuil disposta a desafiar tudo. A relação entre as duas, inclusive, foi criada especialmente para a série. “É uma relação entre duas mulheres que vivem em mundos diferentes: Rosemonde acha que não é possível ir tão longe, que não se pode ultrapassar os homens, enquanto Merteuil basicamente diz ‘vou ultrapassar todos vocês, custe o que custar’”, explica Palud.

Lucas Bravo é o Conde de Gercourt, aqui transformado num papel muito mais sombrio do que estamos acostumados a ver do ator. Palud brinca que nunca tinha visto Emily in Paris e que o escolheu no teste por seu olhar perverso: “Ele é como o Capitão Gancho. É um personagem com muita violência dentro de si.” Gercourt, no romance, é o noivo de Cécile de Volanges e alvo indireto da vingança de Merteuil, e parece que na série ele será ainda mais central, talvez como catalisador das escolhas da protagonista. No elenco estão ainda Noée Abita como a virtuosa Tourvel, Fantine Harduin como Cécile, Samuel Kircher como Danceny e Sandrine Blancke como Madame de Volanges, todos peças desse grande jogo.

O título The Seduction é emblemático. Não se trata apenas do ato físico de seduzir, mas de toda uma estratégia de sobrevivência. Palud enxerga a história de Merteuil como um verdadeiro #MeToo do século 18: uma mulher que foi enganada por Valmont e decidiu jamais ser vítima novamente, transformando sua dor em poder. Ao fazer dela a protagonista e a heroína de sua própria história, a série reposiciona Valmont como antagonista, e a jornada de Merteuil passa a ser de emancipação. “Mesmo que signifique queimar minhas asas, mesmo que signifique ir longe demais, vou mostrar que vou vencer”, diz a diretora sobre o espírito da personagem.

Visualmente, Palud quis evitar tanto o excesso barroco quanto o pop de outras adaptações. Trabalhou com a figurinista Pascaline Chauvelle e o cenógrafo Florian Sanson para criar algo elegante, colorido e cinematográfico, inspirado em pinturas e fotografias da época. É uma série de diálogos, pesada em tensão e olhares, e não de correria ou ação física. Há algo de Barry Lyndon, de Stanley Kubrick, no cuidado visual, mas com ritmo e música que falem ao público de hoje.

Tudo isso faz de The Seduction uma promessa de se tornar a versão definitiva da história para o nosso tempo. Uma Merteuil mais humana, mais perigosa, mais fascinante, que atravessa o patriarcado para tomar o que é seu. Uma série que promete não apenas nos seduzir, mas nos confrontar com as mesmas perguntas que Laclos fazia há mais de dois séculos: o que estamos dispostos a sacrificar em nome da liberdade, e quanto custa vencer em um mundo que prefere que você perca.


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