Desde o anúncio de Alien: Earth, havia uma promessa tentadora: finalmente teríamos uma nova Ripley para chamar de nossa. O marketing da série martelou isso em todas as entrevistas, teasers e pôsteres – Wendy seria a personagem que renovaria o legado de protagonistas femininas fortes da franquia. A comparação com Sigourney Weaver não foi casual, foi construída. Mas, oito episódios depois, a sensação é outra: Wendy não virou a Ripley que queriam. E talvez nunca vá virar.


É curioso porque Alien sempre foi sobre a humanidade em situações extremas, e Ripley funcionava justamente por ser uma pessoa comum enfrentando o impensável. Wendy, por outro lado, chegou à série como “especial”. Ela fala com os xenomorfos, tem insights que ninguém mais tem, é apontada como a única capaz de salvar todos. Só que essa perfeição aparente gerou um efeito contrário: em vez de torcer por ela, a audiência se afasta. Em um dos textos mais comentados da semana, um site classificou Wendy como uma “Mary Sue” – aquele arquétipo de personagem tão competente, tão idealizada, que parece irreal. E confesso: eu tendo a concordar.
Não é que Wendy seja uma personagem mal escrita. Ela tem motivação, ela tem um arco, ela tem diálogos inteligentes. Mas falta o que Ripley tinha de sobra: vulnerabilidade. Quando todos ao redor parecem falhos, frágeis e até irritantes de tão humanos – Joe, Shmuel, Boy Kavalier – é para Wendy que deveríamos correr em busca de esperança. Só que a empatia nunca acontece. Gostamos de todos… menos dela. E isso é um problema para uma protagonista.
Aqui vale lembrar de outra camada dessa história: Sydney Chandler, que interpreta Wendy não é exatamente uma “outsider”. Filha de um casal famoso de Hollywood, ela entrou no projeto já carregando o rótulo de “nepo baby”. Não ajudou o fato de que, na semana do lançamento, ela foi capa da Variety em uma matéria que tentava justamente desconstruir essa imagem – e acabou soando defensiva e constrangedora. O timing foi péssimo: em vez de gerar curiosidade, criou antipatia em parte do público que já estava pronto para desconfiar dela.

No fundo, talvez esse desconforto seja parte da construção da personagem. Noah Hawley não costuma entregar protagonistas fáceis. Basta lembrar de Fargo: ele gosta de gente complicada, moralmente ambígua, que demora para ganhar nosso afeto. Wendy pode ser um caso desses – uma personagem que ainda não completou sua jornada. Talvez seja preciso vê-la falhar de verdade, perder, sangrar, para que ela finalmente pareça uma de nós.
O termo “Mary Sue”, afinal, é polêmico. Ele foi usado ao longo das décadas para desmerecer heroínas femininas bem-sucedidas, como Rey em Star Wars – uma Mary Sue mega clássica – ou mesmo Katniss em Jogos Vorazes (que Jenniffer Lawrence conseguiu equilibrar com grande talento). Mas o incômodo com Wendy vai além do machismo de alguns fãs. Ele vem da sensação de que ela já entrou no jogo com todas as cartas na mão. Ripley era uma sobrevivente improvável. Wendy parece ter sido escolhida pelo roteiro para ser a salvadora. E isso nos distancia.


Ainda assim, talvez o maior erro seja esperar que Wendy seja Ripley. Ripley foi um acidente feliz: uma personagem escrita para ser neutra, que ganhou vida e carisma com Sigourney Weaver e se transformou em um ícone. Wendy não precisa repetir isso. Talvez ela esteja aqui justamente para quebrar o molde da heroína pronta, da “final girl” que sobrevive ao monstro. Talvez sua função narrativa seja outra – e essa frustração seja deliberada.
Se for esse o caso, a série está brincando com as nossas expectativas de forma brilhante. Ao nos fazer gostar mais dos secundários, ela nos coloca em uma posição incômoda: torcemos para que Wendy prove que merece o título de protagonista. Queremos que ela erre, que ela sofra, que ela caia – não por crueldade, mas para finalmente vê-la se levantar como uma de nós. E, se isso acontecer, pode ser que daqui a alguns anos estejamos falando dela como a sucessora digna de Ripley. Por enquanto, Wendy segue sendo uma heroína difícil de amar – e isso pode ser exatamente o ponto.
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