Entre as muitas lendas que cercam o “Açougueiro de Plainfield”, poucas são tão enigmáticas quanto a de Adeline Watkins. Ao contrário das vítimas confirmadas — Mary Hogan e Bernice Worden —, Adeline sobreviveu. Mas seu nome entrou para o folclore macabro em 1957, quando ela declarou à imprensa ter sido namorada de longa data de Ed Gein.

Naquele momento, o mundo estava em choque com as descobertas feitas na fazenda de Gein: restos humanos saqueados de cemitérios, corpos mutilados, artefatos horripilantes feitos de pele e ossos. No meio do caos, a entrevista de Adeline ao Wisconsin State Journal parecia um contrapeso curioso, quase uma dissonância. Ela descreveu Ed como “amável”, “educado” e “doce”. Afirmou que haviam se conhecido vinte anos antes e que ele até lhe pedira em casamento dois anos antes da prisão. Teria recusado, segundo ela, porque “não seria capaz de corresponder ao que ele esperava de uma esposa”.
Essas declarações foram reproduzidas com voracidade pela imprensa, alimentando uma narrativa impossível: como conciliar o monstro revelado nos jornais com o homem descrito por uma mulher como gentil e atencioso?
Mas logo vieram as contradições. Em entrevistas subsequentes, Adeline se retratou. Disse que a história havia sido exagerada e que seus encontros com Gein foram, de fato, breves — cerca de sete meses, intercalados por longos períodos sem contato. Negou ter visitado a casa dele e recuou nas declarações mais românticas. Os jornais, porém, já haviam cristalizado sua versão inicial. E assim, Adeline Watkins tornou-se parte inseparável do mito.

A questão que permanece é: por que ela contou aquela história? Foi uma tentativa de conquistar atenção no turbilhão midiático? Uma memória distorcida pela pressão dos repórteres? Ou, talvez, a revelação de um vínculo real, porém mais sutil, que ela depois preferiu negar?
O fato é que, até hoje, não há provas sólidas de que Gein tenha vivido um namoro prolongado, muito menos que tenha feito um pedido de casamento formal. O que sabemos é que Adeline existiu, conheceu Ed, e em algum nível o viu de uma forma que poucos poderiam imaginar: não como um assassino em potencial, mas como um homem solitário, educado, tímido.
É justamente essa ambiguidade que Ryan Murphy leva para a tela em Monster: The Ed Gein Story. Interpretada por Suzanna Son, Adeline é apresentada como a única mulher além de Augusta, a mãe, a ocupar um espaço íntimo na vida de Ed. Na dramaturgia, ela se torna companheira, confidente, cúmplice em obsessões mórbidas — uma espécie de “espelho feminino” para os abismos psicológicos de Gein. A série dá corpo à narrativa que Adeline um dia sustentou, ampliando-a em intensidade dramática.
No final, Adeline Watkins é menos sobre o que foi — uma mulher comum que conheceu Ed Gein — e mais sobre o que representa: a face humana por trás do monstro, a possibilidade de que mesmo os mais aterradores criminosos carreguem facetas de normalidade, ternura, ou até mesmo de desejo por amor. Sua história revela tanto sobre a fome da imprensa em 1957 quanto sobre nossa necessidade contemporânea de preencher lacunas com ficção.
Ao olharmos para Adeline, vemos um reflexo distorcido do próprio Ed Gein: uma vida comum sugada para dentro de um mito que não escolheu, mas que a transformou para sempre em personagem.
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