Uma das escolhas mais ousadas da nova temporada de Monster é expandir o universo de Ed Gein para além de Plainfield. Em vez de se limitar à reconstrução dos crimes do “Açougueiro de Wisconsin”, Ryan Murphy e Ian Brennan exploram também as influências que alimentaram seu imaginário doentio. É nesse ponto que surge a figura de Ilse Koch, interpretada por Vicky Krieps.
Nascida em 1906, em Dresden, na Alemanha, Ilse se casou em 1936 com Karl Otto Koch, comandante do campo de concentração de Buchenwald. Ao lado dele, tornou-se uma das mulheres mais temidas e odiadas do regime nazista. Sua fama não vinha apenas do lugar que ocupava como esposa do comandante, mas também do comportamento sádico e cruel em relação aos prisioneiros. Foi apelidada de “Bruxa de Buchenwald” e acusada de ordenar castigos arbitrários, de humilhar detentos e até de colecionar objetos confeccionados com pele humana tatuada. Embora parte dessas alegações siga alvo de debate entre historiadores, a simbologia de sua figura permanece, consolidada como um dos ícones da desumanização absoluta do nazismo.

Após a derrota alemã na Segunda Guerra, Ilse foi julgada em 1947 durante o Tribunal de Dachau. Condenada inicialmente à prisão perpétua, teve sua pena reduzida para quatro anos, o que gerou indignação pública. Em 1951, já na Alemanha Ocidental, foi novamente levada a julgamento e desta vez voltou a receber a sentença de prisão perpétua. Cumpriu o restante de sua vida encarcerada até 1967, quando foi encontrada morta em sua cela, em um suicídio por enforcamento.
Ao introduzir Ilse Koch como parte das fantasias de Gein, Monster constrói um elo perturbador. O homem isolado de Wisconsin não apenas mutilava corpos em sua fazenda, mas também projetava seus atos em um imaginário maior, atravessado por ecos de crueldade histórica. Se Ed Gein é visto como o “monstro original” da América do pós-guerra, Ilse Koch surge como a inspiração macabra vinda do coração do século 20.
Mas, ao contrário do que a série mostra, os dois jamais estiveram em contato. Historicamente falando, não há nenhum registro real de contato entre Ed Gein e Ilse Koch. Eles nunca se conheceram nem trocaram correspondência. Essa conexão é puramente ficcional, criada pela série como um espelho temático — uma escolha de Ryan Murphy para contrastar o horror individual e o horror coletivo.

A escolha de Vicky Krieps para o papel reforça esse contraste. Atriz de prestígio internacional, conhecida por filmes como Phantom Thread, Old e Bergman Island, Krieps imprime à personagem um peso dramático que ultrapassa a caricatura. Na tela, Ilse Koch não é apenas a nazista cruel descrita nos relatos históricos, mas também uma projeção doentia na mente de Gein, um fantasma que conecta o microcosmo de Plainfield ao trauma global da Segunda Guerra.
Essa decisão narrativa pode ser vista como arriscada, mas também funciona como um lembrete poderoso de que o horror nunca nasce no vácuo. O que Gein fez em sua pequena fazenda no Wisconsin reverbera não apenas como crime local, mas dentro de um contexto maior de violência e desumanização que marcou o século 20. Ao trazer Ilse Koch para a trama, Monster transforma sua história em um espelho distorcido, onde se refletem não apenas os demônios de Ed Gein, mas também os monstros coletivos que a História insiste em não deixar esquecer.
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