Poucas séries conseguiram passar tão discretamente por três temporadas e, ao mesmo tempo, manter uma coerência artística tão sólida quanto Billy the Kid, do MGM+. Criada por Michael Hirst — o mesmo responsável por The Tudors e Vikings —, a produção começou quase como uma promessa modesta: revisitar a lenda do fora-da-lei mais icônico do Velho Oeste americano. Mas o que Hirst construiu foi muito mais do que um faroeste. Ele transformou o mito em reflexão, o tiroteio em silêncio e o herói em espelho.
Agora, às vésperas da despedida, a série chega à sua terceira e última temporada com o subtítulo que não deixa dúvidas: The Beginning of the End.

O último ato do fora-da-lei
No início da nova temporada, Billy segue foragido após sua fuga espetacular no final da segunda. Livre, mas encurralado, ele se esconde com Dulcinea em Saint Patricio, Novo México, enquanto planeja sua vingança contra os poderosos da House, que dominam a política e a justiça locais. Ainda assim, paira no ar a sensação de que o fim se aproxima — e, como a própria história real sugere, a sorte de Billy está se esgotando.
Há algo trágico e quase profético na forma como ele se move: um homem que, mesmo ainda jovem, carrega o cansaço dos que já viram demais. Ele tem inimigos por todos os lados e começa a exibir aquele mesmo ar dos policiais em dramas criminais prestes a se aposentar — o tipo de personagem que a ficção costuma marcar para morrer. Quando Dulcinea revela estar grávida, o presságio se torna inevitável. É o momento em que o fora-da-lei ganha algo maior que si mesmo para proteger — e, em termos narrativos, o seu destino está selado.
Amor, morte e o peso da violência
O primeiro episódio estabelece o tom da temporada: tragédias pessoais se entrelaçam com o colapso de um mundo. O amor de Billy e Dulcinea, ainda que condenado, é mais terno do que qualquer romance que ele já viveu. Mas a série também reserva espaço para um paralelo cruel: o caso de Jesse, que, em uma cena de impacto inesperado, se infiltra em uma prisão para se encontrar com sua amada, Ana — e termina testemunhando sua morte pelas mãos do próprio pai dela. A sequência, brutal e absurda, funciona quase como um aviso: neste universo, a paixão é sempre prelúdio da ruína.
Esse amor impossível é o espelho de Billy the Kid como um todo — uma história sobre pessoas que tentam encontrar dignidade no meio do caos.

A corrupção como pano de fundo
Enquanto Billy tenta se reerguer, a política local se transforma em guerra interna. Catron, uma figura ambiciosa, articula nos bastidores do Congresso para remover o governador Wallace, culpado por deixar Billy escapar. É uma trama paralela, mas essencial: Hirst sempre usou seus épicos históricos para discutir poder e moralidade. Aqui, ele mostra que o sistema de “justiça” da época era apenas um jogo entre homens ricos e influentes — a mesma estrutura corrupta que empurrou Billy para a ilegalidade.
Essa camada política dá à série um peso que vai além do faroeste tradicional. Billy, afinal, é o produto e a vítima de um país que ainda aprendia o que era lei.
Traição, fé e o prenúncio do fim
Entre os novos personagens, Miguel Ortega surge como figura trágica. Apresenta-se como aliado, afirmando ter se desiludido com os tiranos da House após a morte de sua irmã, Isabel — fato confirmado por Dulcinea. Billy acredita nele, sem imaginar que está sendo conduzido à própria armadilha. O que ele pensa ser sua vitória iminente é, na verdade, o caminho para sua queda. É o tipo de ironia fatalista que sempre esteve no DNA de Michael Hirst — o homem que transformou Henrique VIII e Ragnar Lothbrok em arquétipos da autodestruição.

Um herói que amadurece junto com seu intérprete
Se a série cresce temporada após temporada, muito se deve à entrega de Tom Blyth. O ator britânico, que começou como um rosto novo no gênero, amadureceu em paralelo ao personagem. “À medida que cresci e me tornei um profissional melhor, Billy também cresceu”, disse ele recentemente. “Sinto que estou amadurecendo ao lado dele.”
Blyth se tornou um dos grandes achados de Billy the Kid. Ele faz 90% das próprias cenas de ação — cavalgadas, tiroteios, quedas — e hoje é elogiado pelos próprios dublês. “Na primeira temporada, eu achava que sabia o que estava fazendo. Agora me dizem que estou em nível profissional. Os wranglers até brincam que posso trabalhar com eles se a atuação falhar.”
Essa dedicação física se traduz em uma presença autêntica: seu Billy é ao mesmo tempo carismático e trágico, feroz e melancólico.

O faroeste como metáfora
Billy the Kid nunca foi sobre pistolas, mas sobre identidade. Ao revisitar uma das figuras mais controversas do Velho Oeste, Michael Hirst constrói uma parábola sobre o nascimento da América moderna — um país dividido entre o ideal de liberdade e o peso da violência. Billy é o arquétipo do herói americano: forjado pela exclusão, movido pela necessidade, e condenado pela própria fama.
À medida que a série se despede, fica claro que seu legado não será o das grandes audiências, mas o da coerência artística. Billy the Kid é, afinal, um faroeste que fala sobre nós mesmos — sobre o que o mito revela e o que ele tenta esconder.
E talvez seja essa a maior ironia de todas: que, ao humanizar o pistoleiro mais famoso dos Estados Unidos, Billy the Kid tenha se tornado um dos retratos mais honestos do que é ser americano — ou, em última instância, humano.
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