Apelidada de “o Ted Lasso do futebol americano”, Chad Powers estreou com força na Disney+ (via acervo Hulu) e marca mais um passo ousado na carreira de Glenn Powell — ator, produtor e agora co-criador de um projeto que nasceu de uma piada e se transformou em uma série sobre recomeços, cancelamentos e a difícil arte de se reinventar. Depois de conquistar público e crítica com Hit Man, filme em que viveu múltiplos disfarces e explorou a fluidez da identidade com humor e charme, Powell leva o conceito adiante. Aqui, ele encarna um quarterback caído em desgraça que decide literalmente virar outra pessoa para voltar aos campos.
A origem de Chad Powers é quase tão inusitada quanto o enredo. Tudo começou em 2022, quando o ex-quarterback Eli Manning participou de um episódio de sua série documental Eli’s Places e apareceu disfarçado como “Chad Powers”, tentando se infiltrar em um time universitário. O vídeo viralizou e, dali, nasceu a ideia de expandir o personagem para algo mais ambicioso. Eli e seu irmão, Peyton Manning, entraram como produtores executivos, garantindo autenticidade nas cenas esportivas e uma pitada de humor genuíno de quem conhece o universo do futebol americano por dentro. O roteirista Michael Waldron (Loki, Rick and Morty) e o próprio Powell completaram o time criativo, e o Hulu deu sinal verde em 2024 para transformar a anedota em uma série de seis episódios.


O resultado é uma comédia esportiva que tenta equilibrar leveza e crítica social. Powell interpreta Russ Holliday, um ex-astro universitário que vê sua carreira ruir após um escândalo — uma falha pessoal que o cancela publicamente e o empurra para o limbo. Oito anos depois, sem perspectivas, ele cria uma identidade falsa e tenta se infiltrar em um time modesto do sul dos Estados Unidos, agora como “Chad Powers”, um quarterback excêntrico e carismático que ninguém reconhece. Entre perucas, próteses e um sotaque inventado, Russ mergulha em sua nova persona até a linha entre o homem real e o disfarce começar a se dissolver.
É aqui que Chad Powers vai além da piada fácil: o disfarce vira uma metáfora sobre culpa, autoengano e a obsessão moderna pela segunda chance. A série não é apenas sobre esportes, mas sobre a reinvenção em tempos de cultura do cancelamento — e o humor, por mais escrachado que pareça em alguns momentos, serve de espelho para temas muito atuais. Russ/Holliday é um homem tentando sobreviver ao julgamento coletivo, e Chad Powers é o avatar que lhe permite existir sem ser odiado.
Visualmente, a produção impressiona: a autenticidade dos jogos universitários, as locações reais e a presença de consultores esportivos (incluindo os próprios Manning) dão um ar de legitimidade raro em comédias de bastidores. E, claro, Glenn Powell brilha no centro de tudo. Depois de Top Gun: Maverick, Anyone But You e Hit Man, o ator se consolida aqui como uma das figuras mais carismáticas e versáteis de sua geração. Ele domina o tempo cômico, sustenta a vulnerabilidade do personagem e ainda se diverte com a fisicalidade da performance, alternando entre o exagero do disfarce e os momentos de crise íntima de Russ.

A crítica, porém, está dividida. Há quem veja na série uma pequena joia — um experimento divertido sobre redenção e identidade — e há quem ache que ela tenta demais ser simpática, sem a profundidade emocional de Ted Lasso. O The Guardian elogiou o carisma de Powell e a ambição do roteiro, mas notou que o humor às vezes se apoia demais em clichês. A Variety foi mais dura, chamando a série de “agradável, porém morna”, e o Hollywood Reporter comparou o final a um “passe de Hail Mary”: uma tentativa de redenção narrativa que quase funciona, mas chega tarde. No Rotten Tomatoes, a aprovação está por volta de 56%, uma média que reflete bem o sentimento geral — de admiração pelo esforço, mas incerteza sobre o resultado.
Mesmo assim, há consenso em um ponto: Glenn Powell é o motor do projeto. Como ator e criador, ele injeta energia, timing e vulnerabilidade suficientes para sustentar o conceito, mesmo quando o roteiro hesita. Em entrevistas, Powell descreve Chad Powers como seu “projeto de paixão”, uma história sobre fracasso e reinvenção, escrita justamente em um momento em que Hollywood enfrenta o colapso da imagem perfeita. É, de certa forma, um comentário sobre a própria fama — o quanto ela exige máscaras, versões, personagens.


A Disney/Hulu acerta ao apostar nele como protagonista e produtor, transformando Chad Powers em uma vitrine de seu talento e versatilidade. É também uma obra sobre performance — no esporte, na mídia e na vida — e sobre o poder de acreditar em uma nova persona quando a antiga se torna insuportável. O público pode rir, torcer ou se irritar, mas dificilmente ficará indiferente: o charme de Powell e a mistura de ironia e ternura do roteiro fazem com que Chad Powers funcione, ainda que com tropeços, como uma fábula moderna sobre recomeços em tempos de cancelamento.
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