Peaky Blinders, o filme: O silêncio depois da pólvora

Quando deixamos Tommy Shelby pela última vez, ele cavalgava em direção a um futuro incerto, o fantasma da filha o guiando, a morte recuando mais uma vez. O mundo à sua volta estava em ruínas — literal e emocionalmente. E é a partir desse silêncio que The Immortal Man deve começar: o intervalo entre guerras, quando a esperança se disfarça de progresso e os sobreviventes ainda carregam o gosto do sangue da anterior.

Estamos agora nos anos centrais da Segunda Guerra Mundial. Homens como Tommy, que já viveram a Primeira, conhecem demais o som das bombas para acreditarem em heroísmo. Eles sabem que o que vem depois da glória é o vazio — e que a reconstrução é sempre feita sobre fantasmas.

O império sem centro

Quando Polly Gray foi assassinada, uma era terminou.

Ela era o coração dos Shelbys, o pulso moral, o fio invisível que impedia a família de se destruir por dentro. Sem ela, o império perdeu o eixo. O golpe que a matou — planejado por forças externas, mas facilitado por dentro — deixou marcas profundas. A guerra interna entre Tommy e o filho dela, Michael, foi o estopim: traições, acusações, o braço americano que Michael queria criar, com a mulher, Gina, acabou ruindo.

Na prática, Michael morreu tentando provar que poderia substituir o primo. Mas o que restou da sua morte foi o colapso de qualquer ideia de sucessão. Com o braço de Chicago destruído, até porque, sem Michael, Gina está excluída da história atmbém e o império dos Shelbys voltou a ser o que sempre foi: um castelo construído em lama.

Ada, a herdeira involuntária

Enquanto os homens se perdiam entre vícios, ambições e guerras, foi Ada Shelby quem manteve o nome da família de pé. Ela sempre resistiu à lógica de poder dos irmãos, mas, no fim, entendeu que a sobrevivência dos Shelbys dependia de alguém que soubesse equilibrar instinto e razão.

Com Tommy mergulhado na política e Arthur preso aos próprios demônios, Ada se tornou o rosto público da empresa — discreta, pragmática, moderna.

É provável que em The Immortal Man ela esteja consolidada como matriarca, mesmo sem desejar esse título. Ela representa uma geração que aprendeu a reconstruir sem romantismo. Enquanto Tommy buscava legitimação nos corredores do poder, Ada cuidava do que ele deixava cair.

O político e o fascista

Tommy na política sempre foi um paradoxo: o gângster tentando redimir-se como estadista.
Mas esse caminho o colocou frente a frente com Oswald Mosley, o homem que encarnava a ameaça do fascismo britânico. Na série, o embate entre os dois foi interrompido — Tommy o enfrentou, tentou derrubá-lo, mas saiu derrotado.

Na vida real, Mosley e sua esposa, Diana Mitford, foram presos em 1940, acusados de simpatia com o regime de Hitler. Ambos ficaram detidos por três anos, e embora tenham sido libertados em 1943, nunca mais recuperaram influência política. É improvável que o filme mostre isso em detalhes — deve ser apenas mencionado, uma nota de rodapé na trajetória de Tommy. Mas o impacto permanece: Mosley saiu “por cima” na série, e o filme precisa lidar com essa sombra — a de um inimigo que venceu ideologicamente, mesmo derrotado pela história.

Lizzie e a ausência mais dolorosa

Entre todas as perdas de Tommy, Lizzie Stark é a mais íntima. Depois da morte de Ruby, o casamento não sobreviveu. Lizzie, ferida por anos de humilhação, traições e silêncios, fez o que poucas mulheres em Peaky Blinders conseguiram: foi embora. Não por vingança, mas por exaustão.

A ausência de Natasha O’Keefe no elenco confirma o que a cena final da série já sugeria — Lizzie se libertou de Tommy. E mais: ela leva consigo Charles, o filho de Grace, que Tommy nunca conseguiu amar plenamente, talvez por culpa, talvez por medo de repetir a perda. Essa é a ferida aberta que o filme precisa tocar: o homem que sobrevive a tudo, mas perde o amor dos vivos.

A ausência de Lizzie não é apenas emocional — é simbólica. Sem ela, Tommy perde seu espelho humano.

Grace e Lizzie foram as únicas que viram o homem por trás do mito. Com ambas mortas (uma literalmente, outra emocionalmente), o que resta é a casca: The Immortal Man precisa confrontar o que significa continuar existindo quando todos que te conheciam como homem já se foram.

O legado dividido

Os filhos de Tommy representam seu dilema.

Charles, o legítimo, filho de Grace, é o elo com o passado idealizado — o lado que Tommy sempre quis preservar.

Duke, o ilegítimo que ele só descobriu a existência já adulto, é o reflexo daquilo que ele tenta esconder — o instinto violento, o sangue cigano, o lado implacável do pai.

Se o filme vai lidar com a sucessão, esse embate é inevitável: um filho que o rejeita, outro que quer provar que o ama. Tommy, pela primeira vez, será obrigado a lidar com as consequências de ter criado um império de lealdades temporárias. Sem esquecer que o caçula dos Shelbys, Finn, se tornou um antagonista inesperado.

E, ironicamente, é na ausência de Polly — a única que sabia costurar os fios da família — que essas rachaduras se tornam incontroláveis.

Arthur e o eco dos mortos

Arthur sobreviveu, mas a que custo? Sem Polly, sem Tommy por perto e sem fé em nada, ele é o fantasma da guerra que nunca terminou. Sua história sempre foi paralela à de Tommy: dois homens que sobreviveram ao do front sem voltar de verdade.

Na Segunda Guerra, Arthur é velho demais para lutar, mas não velho o suficiente para encontrar paz. Ele é o exemplo vivo de como o trauma se herda.

Se The Immortal Man seguir o tom mais sombrio prometido por Steven Knight, Arthur pode ser o retrato do pós-guerra interior — o homem que continua lutando mesmo depois do fim.

O mundo em ruínas

Estamos, portanto, diante de uma Birmingham em reconstrução. As bombas da Segunda Guerra Mundial não destruíram apenas prédios; destruíram ilusões. E é aí que Tommy reaparece — um homem que já viu tudo cair antes, agora caminhando entre os escombros de uma cidade que quer renascer.

Os Shelbys, outrora sinônimo de poder, agora são um nome antigo, um eco do passado.
Mas, como o título do filme anuncia, o homem imortal nunca desaparece completamente.
Ele retorna quando todos acreditam que está morto — e o faz para cobrar, ajustar, reescrever.

O peso da ausência

É pelas ausências que The Immortal Man deve respirar. Sem Polly, sem Lizzie, sem Michael, sem Ruby — o filme não precisa preencher esses espaços, mas entendê-los como cicatrizes. Cada ausência é uma presença fantasmática, uma lembrança de que o império de Tommy foi construído sobre túmulos. E agora, enquanto a guerra consome o mundo, ele é o último sobrevivente de uma linhagem que confundiu poder com imortalidade.

Tommy não precisa morrer — ele já morreu o bastante. O desafio agora é o contrário: aprender a existir sem destruir tudo o que toca.

O novo início

Se a série terminou com Tommy escolhendo viver, o filme deve começar perguntando para quê.
O homem que acreditava controlar o destino agora é apenas um nome numa cidade que muda mais rápido do que ele. O império Shelby precisa se reinventar, e a única forma é ceder — algo que Tommy nunca soube fazer.

O pós-guerra não é cenário, é sentença. É o tempo dos filhos, dos novos inimigos, das alianças improváveis. E talvez o verdadeiro tema de The Immortal Man seja esse: como seguir em frente quando o passado ainda te chama pelo nome.


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