A segunda temporada de Billy the Kid marcou uma virada emocional na narrativa da série da MGM+. Depois de uma primeira fase centrada em confrontos, traições e na solidificação da figura mítica do fora da lei, surge algo inesperado: a presença de uma mulher que desafia o peso da lenda. Dulcinea Del Tobosco, interpretada por Nuria Vega, é introduzida com suavidade e mistério — quase como uma aparição —, um nome que soa improvável no meio da poeira e do sangue do Novo México, mas que carrega um simbolismo literário poderoso.
O nome Dulcinea não é aleatório: vem diretamente de Dom Quixote, de Miguel de Cervantes. Assim como a Dulcinea do cavaleiro espanhol, esta também é uma mulher idealizada — uma presença que encarna pureza, esperança e redenção no universo brutal de Billy the Kid.
Ela representa a pausa no caos, o elo entre o homem e o mito, entre o fora da lei e o menino que ele foi um dia. Mas… seria uma liberdade artística de Michael Hirst ou realmente existiu uma Dulcinea?

Como tudo na lenda do fora-da-lei a vida amorosa de Billy The Kid é cercada de lendas e mistério, porém os mais românticos insistem que sim, havia uma grande amor na vida do pistoleiro e indiretamente foi o que facilitou sua captura e morte. Opa, desculpe o SPOILER se você não conhece a história de Billy! Mas sim, seu amor por “Dulcinea” será fatal. A questão é… existiu uma musa perfeita na vida dele ou foi um delírio de um cavaleiro errante?
Uma chance de amar e ser amado
A vida de Billy, como mostrada na primeira temporada, foi marcada por dor e perdas, ele era um jovem solitário dragado para um universo violento.
Na segunda temporada, Dulcinea Del Tobosco aparece em um contexto de reconstrução. Billy, já famoso, já temido, tenta entender o que fazer com a própria fama. É nesse momento de vulnerabilidade que a série insere o amor — não como um desvio, mas como parte essencial da sua humanidade. Dulcinea é o contraponto do Velho Oeste que o cerca: onde há violência, ela oferece calma; onde há traição, ela oferece fé.
O relacionamento cresce lentamente, permeado por silêncios, olhares e pela constante lembrança de que qualquer gesto de ternura pode ser o último. A direção da série acerta ao filmá-los com intimidade contida — o toque de mãos, o olhar que hesita, o medo de sonhar. Em meio à brutalidade de uma guerra de fronteiras, Dulcinea se torna o refúgio possível, a lembrança de que até os homens mais marcados pela violência ainda desejam amor e pertencimento. E Billy salva a ela e sua família. O amor, em tese impossível, se torna ideal.

O peso da terceira temporada — o amor como herança
Na terceira temporada, a presença de Dulcinea ganha nova dimensão: ela está grávida. A notícia vem como um golpe e uma dádiva — um lembrete de que, mesmo cercado pela morte, Billy ainda é capaz de gerar vida. A gravidez não é apenas um desenvolvimento narrativo, mas um espelho do dilema central do personagem: a tensão entre o desejo de permanecer vivo e a certeza de que não há futuro possível para ele.
A série trabalha esse arco com delicadeza. Dulcinea carrega não só o filho de Billy, mas também o peso de uma promessa impossível. Ela sabe que o homem que ama é um alvo. Sabe que qualquer passo fora do lugar pode significar o fim. E, ainda assim, escolhe ficar. A força da personagem é construída na contradição — entre o medo e a coragem, entre o dever e o afeto.
O roteiro não a trata como mero adorno romântico. Dulcinea tem agência, opiniões, dúvidas. É a primeira vez que Billy the Kid mostra uma mulher que não apenas observa o protagonista, mas o confronta. Ela o humaniza, mas também o expõe. É nela que Billy encontra o espelho do que perdeu: inocência, fé, esperança.
O filho que Dulcinea carrega é mais do que um símbolo — é a herança de um homem que viveu rápido demais para deixar rastros. A série não confirma se a criança nascerá, mas essa incerteza é parte do mito: em toda versão da história de Billy the Kid, há sempre algo inacabado, algo deixado em suspenso. E Dulcinea é a personificação dessa suspensão — o amor que poderia ter salvado, mas chegou tarde demais.
Paulita Maxwell — a mulher real que inspirou a ficção
A inspiração para Dulcinea vem de uma figura histórica fascinante: Paulita Maxwell, a mulher que muitos acreditam ter sido o grande amor de Billy the Kid.
Paulita nasceu em 1864, em Fort Sumner, Novo México, filha de Lucien Maxwell, um dos homens mais ricos e influentes da região. Seu lar era um dos epicentros da vida social e política local, frequentado por militares, políticos, comerciantes — e, eventualmente, foras da lei.
Foi nesse ambiente que Paulita conheceu William H. Bonney, o jovem de olhos claros e temperamento imprevisível que se tornaria um dos nomes mais temidos e, paradoxalmente, mais admirados do Oeste. Os dois se aproximaram em um período de relativa paz, quando Billy buscava refúgio após anos de conflito. Há relatos de que Paulita o encantou desde o primeiro encontro — e que, para ela, ele não era o criminoso procurado, mas um rapaz gentil, de fala mansa e olhar inquieto.

O romance entre eles nunca foi oficialmente documentado, mas foi alimentado por testemunhos e lendas locais. Alguns afirmam que Paulita estava grávida de Billy quando ele foi morto, uma versão que ressoa diretamente com o arco atual de Dulcinea na série. Outros dizem que o amor deles foi platônico, interrompido pela inevitabilidade do destino. O que se sabe é que Billy foi morto dentro da casa dos Maxwell, o que transforma a coincidência em tragédia.
História não é spoiler — o fim inevitável de Billy
A morte de Billy the Kid aconteceu na madrugada de 14 de julho de 1881, quando ele tinha apenas 21 anos. O xerife Pat Garrett, que antes fora seu amigo, o emboscou dentro da casa de Pete Maxwell, irmão de Paulita. Billy, desarmado, entrou no quarto escuro sem saber que Garrett o esperava.
“¿Quién es? ¿Quién está ahí?”
(“Quem é? Quem está aí?”)
Foram suas últimas palavras. Garrett respondeu com um tiro no peito, e o fora da lei mais famoso do Novo México morreu instantaneamente.
A ironia — e a poesia — desse fim são insuportáveis: Billy morreu buscando abrigo na casa da mulher que amava, a poucos passos de seu quarto. Se a série seguir esse caminho, a tragédia não será uma surpresa. História não é spoiler — o destino de Billy, Paulita e, por extensão, Dulcinea, sempre esteve entrelaçado desde o início.

O silêncio final de Paulita
Quando Billy foi morto, Paulita tinha apenas 17 anos. Ela sobreviveu ao escândalo e à dor com uma serenidade quase misteriosa. Casou-se com José Jaramillo, teve filhos e viveu discretamente entre Fort Sumner e Puerto de Luna. O marido era abusivo e ela o deixou após alguns anos, mas o fato é que sua associação à Billy sempre foi uma sombra na sua vida. Ainda assim, raramente deu entrevistas. Nunca buscou fama. Nunca confirmou — nem negou — o que viveu com Billy.
Ela morreu em 17 de dezembro de 1929, aos 65 anos, e foi enterrada no mesmo cemitério de Fort Sumner, a poucos metros do túmulo dele. Até hoje, visitantes deixam flores entre as duas sepulturas, como se o mito tivesse se tornado uma espécie de justiça poética: o amor proibido finalmente unido, ao menos na eternidade.
Paulita é, em muitos sentidos, o que Dulcinea tenta ser na ficção — a mulher que amou o impossível, que carregou o peso do destino e que permaneceu fiel à memória, mesmo no silêncio.
Entre o real e o imaginário
Ao criar Dulcinea, Michael Hirst não apenas inventa uma personagem — ela dá voz a uma ausência histórica. Paulita foi apagada pela narrativa dominante do Oeste, reduzida a uma nota de rodapé no mito masculino de Billy the Kid. Dulcinea devolve a ela o protagonismo, a emoção e o direito de existir fora da sombra do fora da lei.

É por isso que a série, mesmo quando toma liberdades criativas, permanece fiel ao essencial: o fato de que, por trás do mito americano da violência, há uma história de amor — frágil, breve, impossível, mas real.
Billy e Paulita, Billy e Dulcinea. Dois nomes para a mesma tragédia. E quando a poeira do Oeste assenta, é esse amor — não os tiros, não as fugas, não as mortes — que permanece.
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