Psicose, 65 anos depois: o golpe que reescreveu as regras do cinema

Nada mais atual, depois do megasucesso da série Monster: The Ed Gein Story, retomar uma data importante para o cinema: os 65 anos de aniversário do filme Psicose.

Em 1960, Alfred Hitchcock não apenas lançou um filme: ele reinventou a maneira como o mundo veria o terror, o suspense e o próprio cinema. O ponto de partida foi o livro Psycho, de Robert Bloch, publicado um ano antes, inspirado livremente nos crimes reais de Ed Gein. Hitchcock comprou os direitos de forma secreta, mandando seus assistentes comprarem todas as cópias disponíveis para preservar o mistério. O gesto dizia tudo sobre o que viria a seguir: Psicose seria um experimento de controle absoluto sobre a informação — tanto na tela quanto fora dela.

A recente série Monster: The Ed Gein Story voltou a explorar essa relação entre o assassino real e Norman Bates, o personagem criado por Bloch e imortalizado por Anthony Perkins. A série, porém, exagera na mitologia, retratando Hitchcock como um voyeur depravado que “recriou” o crime original em detalhes, o que não tem base documental. A conexão entre Gein e Psicose é simbólica, não literal. O que Hitchcock fez foi transformar o horror rural e grotesco de Gein em um terror psicológico urbano e íntimo, onde o mal habita dentro da mente — e dentro de casa.

A virada de chave: da produção ao marketing

Psicose foi produzido com um orçamento modesto, cerca de US$ 800 mil, filmado em preto-e-branco para reduzir custos e com a equipe de sua série de TV, Alfred Hitchcock Presents. Para o diretor, era um experimento — e também um desafio à indústria. As grandes produtoras duvidavam do potencial comercial de um filme sobre um assassino vestido de mulher e um crime em um motel. Hitchcock bancou com recursos próprios e apostou em um modelo de distribuição revolucionário.

O segredo foi a estratégia de marketing: o diretor exigiu que ninguém fosse admitido na sala depois do início da sessão — algo inédito até então. Essa decisão criou uma experiência coletiva e ritualística, com filas nas portas e o público completamente imerso desde o primeiro minuto. Foi o nascimento do “evento cinematográfico”, o conceito que moldaria blockbusters e estreias globais décadas depois.

E, no conteúdo, Psicose quebrou tabus: foi o primeiro filme a mostrar um vaso sanitário sendo acionado (algo proibido pelo Código Hays), e ousou ao filmar nudez sugerida e violência de forma tão estilizada que confundiu os censores. Hitchcock usou o preto e branco não só por economia, mas para evitar que a cena do chuveiro fosse barrada pela quantidade de sangue — que, na verdade, era calda de chocolate.

O estilo que mudou o cinema

A sequência do chuveiro, montada com mais de 70 cortes em menos de 45 segundos, é uma aula de edição. Hitchcock provou que o terror não precisava ser explícito: bastava a sugestão, o ritmo e a imaginação do espectador. Bernard Herrmann completou o golpe com a trilha feita apenas com cordas — os violinos cortando o ar como facas —, criando uma das sonoridades mais icônicas da história do cinema.

A partir dali, a montagem se tornou protagonista, a música ganhou função dramática e o olhar do público foi manipulado de maneira consciente. Psicose não inventou o terror moderno, mas lhe deu legitimidade artística. Ele abriu caminho para o giallo italiano, para o slasher americano e para toda a cultura do horror psicológico que dominaria as décadas seguintes — de Halloween a O Silêncio dos Inocentes.

O “último” sucesso de Hitchcock?

Psicose foi o maior sucesso comercial da carreira de Alfred Hitchcock, arrecadando mais de US$ 50 milhões (um feito monumental para a época). Mas não foi seu último sucesso. Os Pássaros (1963) também foi um grande fenômeno de bilheteria. O que Psicose encerra, na verdade, é um ciclo: a partir dele, Hitchcock se tornaria mais experimental, mais controlado e, paradoxalmente, mais contestado pelos estúdios. A revolução que criou o libertou — e o isolou.

A estética de Psicose foi imitada, parodiada e estudada à exaustão. Nenhum outro filme dele teve impacto tão direto sobre a cultura popular. Foi também sua ruptura final com o cinema clássico — uma espécie de prelúdio para a Nova Hollywood que surgiria nos anos 1970, quando o controle passaria para os diretores-autores.

A refilmagem desastrada dos anos 1990

Em 1998, Gus Van Sant decidiu recriar Psicose quadro a quadro, em cores, com Vince Vaughn e Anne Heche. O projeto, que pretendia ser um “estudo” de linguagem, acabou soando como uma paródia involuntária. Sem o contexto, o preto e branco, a censura ou a mística de Hitchcock, o resultado foi um experimento frio, quase um espelho sem reflexo. O fracasso comercial e crítico reforçou uma verdade incômoda: Psicose não pode ser reproduzido. Ele é um produto de seu tempo, mas ao mesmo tempo atemporal em sua forma.

O impacto permanente

Em 65 anos, Psicose continua a ser estudado, reinterpretado e referenciado. Influenciou cineastas como Brian De Palma, David Lynch, Darren Aronofsky e Jordan Peele. Inspirou séries, continuações, paródias e até o spin-off televisivo Bates Motel, que expandiu o universo de Norman Bates para uma nova geração.

Mais do que um marco de gênero, é um marco de linguagem: Hitchcock redefiniu o que significava contar uma história visualmente, e sua abordagem meticulosa à manipulação emocional do público ainda é estudada como base de narrativa audiovisual.

A cena do chuveiro permanece a mais analisada da história do cinema. O som dos violinos, o sangue (ou o que parece sangue) escorrendo pelo ralo e o olhar fixo de Perkins ao final ainda nos provocam uma reação visceral. É a prova de que o medo, quando filmado com precisão, não envelhece — apenas muda de forma.

O filme que ainda nos olha de volta

Em 2025, aos 65 anos, Psicose segue sendo o ponto de inflexão entre o cinema clássico e o contemporâneo. Um filme que, feito com economia e engenho, transformou restrições em arte. Um estudo sobre culpa, desejo e voyeurismo que antecipa tudo o que viria depois — da fragmentação da identidade moderna à obsessão pelo olhar.

O verdadeiro “choque” de Psicose não é o assassinato no chuveiro, mas o espelho que ele nos devolve: um cinema que finalmente reconheceu que o terror mais profundo é aquele que se esconde dentro de nós.


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