Kate Bush — 17 Canções que Vieram dos Livros

Existem artistas que citam livros, e há Kate Bush — uma mulher que transformou literatura em som e emoção. Desde que invadiu o mundo com Wuthering Heights, em 1978, Kate não apenas se inspirou em histórias: ela passou a habitá-las.

Seus discos são romances cantados, diários de consciência, mitos revisitados. Emily Brontë, James Joyce, Tennyson, Henry James, Andersen, Woolf, Homero, Shakespeare, Dante — todos convivem em sua música como personagens de um mesmo sonho.

Mais do que leitora, Kate é uma tradutora sensorial. Ela lê para dentro, e o que sai é canção. Cada uma das obras abaixo nasceu das páginas de um livro, e o resultado é um dos catálogos mais literários já escritos na história da música popular.

1. “Wuthering Heights” (1978)

O Morro dos Ventos UivantesEmily Brontë

A estreia que mudou tudo. Escrita aos 18 anos, depois de ver uma adaptação da BBC e ler o romance em uma noite, Kate dá voz ao fantasma de Catherine Earnshaw, chamando Heathcliff das charnecas.

É o ponto de partida de toda sua obra literária — amor como tormento, espírito como prisão.

2. “Cloudbusting” (1985)

A Book of DreamsPeter Reich

O relato do filho do psicanalista Wilhelm Reich sobre o pai e sua “máquina de fazer chover” virou uma das canções mais emocionantes de Bush.

O clipe (com Donald Sutherland como Reich) é quase uma adaptação cinematográfica do livro — um conto sobre fé, invenção e perda.

3. “The Sensual World” (1989) / “Flower of the Mountain” (2011)

UlyssesJames Joyce

Kate quis musicar o monólogo de Molly Bloom. Negada pelos herdeiros, criou The Sensual World como reinvenção.

Anos depois, finalmente autorizada, regravou com o texto original de Joyce em Flower of the Mountain.

É uma ponte literal entre literatura e música — palavra por palavra.

4. “The Jig of Life” (1985)

A OdisseiaHomero

Dentro da suíte The Ninth Wave, a canção em que a narradora fala com o seu “eu futuro” ecoa Ulisses: o retorno, o tempo, o destino.

Bush mistura mitologia grega e psicanálise junguiana — uma odisseia interior.

5. “The Ninth Wave” (1985)

expressão retirada de poema de Alfred, Lord Tennyson

O lado B de Hounds of Love empresta seu título da metáfora poética de Tennyson para a onda final e destrutiva.

Bush a transforma em meditação sobre vida, morte e renascimento: uma jornada dantesca entre delírio e salvação.

6. “The Infant Kiss” (1980)

The Turn of the ScrewHenry James

Inspirada pelo filme The Innocents (baseado na novela de James).

É uma das mais perturbadoras canções de Bush, narrando a atração confusa de uma governanta por uma criança possuída por um espírito adulto.

Literatura gótica convertida em psicodrama.

7. “The Wedding List” (1980)

La Mariée était en noirCornell Woolrich

Inspirada no filme de François Truffaut, baseado no romance de Woolrich.

Bush encarna uma viúva vingativa em busca dos assassinos do marido.

Uma tragédia em cinco versos — e cinco tiros.

8. “Blow Away (For Bill)” (1980)

OthelloWilliam Shakespeare

Traz a citação literal: “Put out the light, then put out the light.”

Shakespeare é o pano de fundo para uma elegia aos mortos — artistas que continuam vivos na memória, entre luz e sombra.

9. “In Search of Peter Pan” (1978)

Peter PanJ. M. Barrie

Lúdica e melancólica, a canção reflete o desejo de escapar do tempo e da mortalidade.

Bush já declarou que Barrie captou como ninguém “a relação entre pais e filhos” — e ela canta a criança eterna que nos habita.

10. “Oh England My Lionheart” (1978)

inspiração em poemas de guerra de Rupert Brooke e Wilfred Owen

Um retrato lírico da Inglaterra sonhada e perdida.

Embora não adapte um poema específico, carrega o tom e o léxico da poesia patriótica inglesa da Primeira Guerra.

“Experiment IV” (1986)

inspirado em contos de ficção científica de J. G. Ballard e Ray Bradbury

Bush cria um conto futurista sobre cientistas que transformam som em arma — puro espírito distópico britânico dos anos 1950.

É 1984 em três minutos.

12. “Under Ice” / “Hello Earth” (1985)

ecos de InfernoDante Alighieri

Dentro de The Ninth Wave, a travessia da consciência e a visão da Terra vista de fora ecoam A Divina Comédia.

O som se torna teologia — e a voz, redenção.

13. “The Red Shoes” (1993)

conto homônimo de Hans Christian Andersen

Misturando fábula e tragédia, Bush revisita a história da mulher que não consegue parar de dançar — metáfora da arte como maldição.

É o elo entre Andersen, Powell & Pressburger e a própria Kate, sempre dançando entre vida e ficção.

14. “A Coral Room” (2005)

evocação de T. S. Eliot e Virginia Woolf

Um lamento pela mãe perdida.

O fluxo de consciência e as imagens aquáticas lembram The Waves e The Waste Land.

É literatura sem papel — pura alma e silêncio.

15. “Joanni” (2005)

lendas de Joana d’Arc / The Song of Roland

Bush reinventa Joana como arquétipo feminino de fé e resistência.

História, mito e símbolo convergem num hino de devoção.

16. “Snowed in at Wheeler Street” (2011)

influências de OrlandoVirginia Woolf

Dueto com Elton John sobre dois amantes que se reencontram através dos séculos.

Uma reencarnação poética da imortalidade e da perda — Woolf em tempo de synths.

17. “The Magician” (1979, inédita oficialmente)

The MagusJohn Fowles

Gravada para a trilha de The Magician of Lublin (baseado em Isaac Bashevis Singer), mas inspirada também no romance de Fowles.

Rara, experimental e inteiramente literária.

A leitora que canta

Kate Bush é uma compositora que escreve como quem folheia mundos. Seus discos são romances, seus personagens, vozes narrativas. Em Wuthering Heights, ela é Cathy; em The Sensual World, Molly Bloom; em Cloudbusting, Peter Reich; em The Infant Kiss, a governanta de Henry James.

Na sua arte, a literatura respira, canta e dança — porque para Kate, as palavras sempre foram mais que texto: são feitiço.

“Books don’t just inspire me,” ela disse. “They open a door — and I just walk in.”


Descubra mais sobre

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Deixe um comentário