Murdaugh: Death in the Family — o teatro da ruína

Houve um tempo em que parecia impensável transformar em ficção um caso tão exposto, grotesco e recente quanto o da família Murdaugh. Já existiam documentários, podcasts, matérias investigativas e até memes — parecia esgotado. Mas Murdaugh: Death in the Family, produção da Hulu estrelada por Patricia Arquette e Jason Clarke, prova que ainda havia algo a ser dito, especialmente para quem vê de fora dos Estados Unidos.

Porque, se dentro do território americano o nome Murdaugh já virou sinônimo de escândalo e privilégio corrompido, fora dele essa ainda é uma história quase inacreditável — uma trama tão impregnada de poder, impunidade e autodestruição que parece escrita por Nelson Rodrigues. E talvez seja essa dimensão trágica, familiar e teatral que torna a série mais interessante do que se esperava.

A comparação faz sentido: como nas tragédias rodriguianas, o luxo e o status dos Murdaugh encobrem um pântano de vícios, omissões e mentiras. O que se vê é menos sobre crime e mais sobre decadência. A cada episódio, os gestos, as refeições, os silêncios, tudo parece encenar a corrosão de uma moral construída sobre dinheiro e medo. Patricia Arquette é o coração dilacerado da série — a mulher que tenta preservar alguma humanidade dentro de um sistema que não reconhece fragilidade como virtude. Jason Clarke, por sua vez, encarna o patriarca que confunde poder com destino.

Em contraste, vale lembrar The Twisted Tale of Amanda Knox, também da Hulu, que resgatou em longos oito episódios uma história já resolvida e quase arqueológica. Lá, o interesse era o debate sobre culpa e mídia. Aqui, a ferida ainda está aberta. O caso dos Murdaughs não está encerrado — há suspeitas em torno de mortes paralelas, como a do jovem Stephen Smith e da empregada Gloria Satterfield, que continuam pairando sobre a família como fantasmas não apaziguados.

Por isso, Death in the Family não soa como exploração, mas como reinterpretação: um olhar dramatizado sobre o poder desumanizador, sobre como se constrói uma dinastia à base de mentiras e sobre o que acontece quando o castelo rui.

Mesmo quando já sabemos o desfecho, assistir é como observar o acidente em câmera lenta — e perceber que o verdadeiro horror está na normalidade.

Há quem pergunte, como o crítico do Guardian, por que se submeter a oito horas de tanta podridão. A resposta talvez esteja no próprio desconforto: Murdaugh: Death in the Family é uma narrativa sobre o que a América mais teme reconhecer — que a corrupção moral pode ser hereditária.


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