3:10 to Yuma — Entre o Inferno e a Honra

Fico feliz que um grande filme, um western, está na plataforma da HBO Max: 3:10 to Yuma, ou, Os Indomáveis.

3:10 to Yuma é um daqueles filmes que atravessam décadas sem perder o peso do que significam. Por fora, um faroeste sobre um fazendeiro que precisa escoltar um fora-da-lei até o trem das 3h10 rumo à prisão. Por dentro, uma história sobre o que resta de decência num mundo em colapso moral. A origem vem de um conto curto de Elmore Leonard, publicado em 1953, onde um homem comum, assustado e sem nada a perder, aceita fazer o que é certo. É uma história de tensão psicológica, de calor, de tempo que passa devagar e de um bandido carismático que tenta corromper a coragem silenciosa de quem o escolta. Leonard sempre escreveu sobre personagens que habitam as margens da moral, e “Three-Ten to Yuma” é essencialmente isso: um duelo de ética entre dois homens cansados.

Em 1957, Delmer Daves transformou esse pequeno conto em um filme poderoso. Van Heflin interpretou Dan Evans, um fazendeiro endividado, e Glenn Ford foi Ben Wade, um criminoso de fala mansa, perigoso e quase simpático. Diferente dos faroestes barulhentos da época, Daves filmou com introspecção: mais olhares que balas, mais espera que ação. Era um faroeste moral, quase um experimento psicológico. A crítica da época o comparou a High Noon, mas 3:10 to Yuma era mais sombrio, mais incômodo. Com o tempo, se tornou um clássico, reconhecido pela delicadeza com que tratava a coragem e pela tensão construída em silêncio. O filme ampliou o conto de Leonard, transformando o xerife do texto em um fazendeiro pobre, o que deu à história uma dimensão social — a luta de um homem comum tentando provar que ainda vale alguma coisa.

Cinquenta anos depois, James Mangold revisitou essa história e a reinventou para o século 21. 3:10 to Yuma (2007) é mais violento, mais denso e, paradoxalmente, mais humano. Russell Crowe e Christian Bale formam uma das duplas mais intensas já vistas no gênero. Crowe fez de Ben Wade um homem brilhante, cruel e introspectivo, que vive entediado, cansado de si mesmo e das repetições da própria lenda. Bale deu a Dan Evans um corpo mutilado, uma alma exausta e uma dignidade desesperada. Wade o observa com curiosidade: um homem pobre, com medo, mas incapaz de se corromper. Essa obsessão em entender Dan é o que o transforma. Wade não sente pena, sente respeito. Dan é o que ele já não consegue ser — íntegro, mesmo quando o mundo o ignora.

Há um momento de silêncio, quase imperceptível, em que o olhar de Wade muda. A partir dali, o bandido não quer mais escapar, quer compreender. Quando ele conversa com Alice, a esposa de Dan, não tenta seduzi-la, mas testá-la. Quer ver se aquela família destruída ainda acredita em alguma coisa. E quando percebe que sim — que ainda há amor e fé na pobreza — ele se vê diante daquilo que perdeu: humanidade. Esse é o primeiro indício da transformação que virá.

Mas o filme também é sobre o espelho invertido da decência. Ben Foster, em uma atuação brilhante, faz de Charlie Prince uma sombra viva — o amor doentio e fanático de Wade. Prince é puro subtexto homoerótico, um seguidor que venera o líder como um deus, que o observa com fascínio e o defende com devoção quase religiosa. Há desejo e destruição nessa lealdade. Se Dan representa a dignidade, Prince representa o fanatismo. E é entre esses dois amores — o nobre e o doente — que Wade precisa escolher quem vai ser. Quando Prince ri da morte de Dan, Wade vê a si mesmo naquele riso: o cinismo, o vazio, a falta de crença. Então ele atira. Mata Prince e o próprio passado.

A cena final é uma das mais comoventes do cinema moderno. Wade, que poderia fugir, escolhe entrar no trem. Não é rendição, é respeito. É o reconhecimento de que Dan lhe devolveu um motivo para agir. E quando ele assobia, chamando o cavalo — lembrando que ainda pode escapar quando quiser — o gesto é quase espiritual: ele é livre, mas pela primeira vez decide não fugir. É o instante em que o fora-da-lei encontra a paz que nunca teve.

O mais belo de 3:10 to Yuma é que, em qualquer versão — no conto, no filme de 1957 ou no remake de 2007 — a essência é a mesma: dois homens presos num mesmo espaço, tentando entender o que é certo num mundo onde ninguém mais sabe. O conto de Leonard é seco e moral. O filme de 1957 é contido e elegante. O de Mangold é brutal e poético. Mas todos falam da mesma coisa: do preço da decência, da coragem silenciosa e da admiração entre opostos. Russell Crowe definiu Wade como “um homem entediado, à procura de algo que valesse a pena”. E ele encontrou — não em uma mulher, não no ouro, mas em outro homem. Dan Evans, o fazendeiro manco e invisível, foi o desafio que deu sentido à sua existência.

3:10 to Yuma é sobre o cansaço da alma, o desejo de redenção e a crença de que a dignidade ainda é possível. É sobre como um gesto de honra pode transformar até o mais perdido dos homens. E por isso, quando o trem parte, carregando Wade para Yuma, ele leva junto a certeza de que, em algum lugar entre o inferno e a honra, ainda existe esperança.


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