Como publicado no Blog do Amaury Jr./Splash UOL
Foi o suspiro de alívio que o Palácio esperava há anos. Nesta sexta (17), o príncipe Andrew anunciou que deixará de usar o título de Duque de York e abrirá mão de honrarias remanescentes — como as ligadas à Jarreteira e à Real Ordem Vitoriana —, afirmando que as “acusações contínuas” e sua ligação com Jeffrey Epstein “distraem do trabalho de Sua Majestade e da família real”. É a pá de cal num desgaste que se arrasta desde 2019, quando a entrevista ao Newsnight tentou justificar o injustificável — e falhou.
A decisão, “em conversa com o rei e com a família”, como sublinha o comunicado, tem um subtexto óbvio: pressão direta de Charles III, com participação ativa de William. Nos bastidores, o que pesou foi a sequência de manchetes que desmentem a narrativa pública de Andrew — de e-mails de 2011 que indicam contato com Epstein (“we are in this together”) a encontros com um quadro central do escândalo de espionagem chinês. Para o Palácio, virou questão de sobrevivência reputacional: ou se amputava o que restava do “ramo de York” na esfera oficial, ou se aceitava que toda a agenda do rei continuasse sendo ofuscada pelo irmão.

Há, aqui, duas chaves de leitura. Institucionalmente, Andrew já estava fora do jogo: perdera patrocínios, cargos militares honorários e o uso de HRH (Seu Real Alteza) em 2022, e não era convocado para cumprir dever algum. O gesto de hoje congela essa realidade em forma: ele continua príncipe por nascimento — condição que não cai sem lei do Parlamento —, mas desaparece do palco. Não deve mais surgir em fotos de família em Sandringham no Natal, e sua presença pública, quando houver, tende a ser residual. Politicamente, é um recado para dentro e para fora: Charles prefere sangrar um braço do que deixar a infecção se espalhar pela instituição.
O efeito colateral imediato atinge Sarah Ferguson. Desde o divórcio (1996), ela mantinha o estilo “Duquesa de York” por cortesia — prática comum para ex-esposas de príncipes que não voltaram a se casar. Sem o ducado em uso, essa cortesia cai. Fergie volta a ser formalmente Sarah Ferguson. O timing não é inocente: vieram à tona e-mails em que ela chama Epstein de “amigo leal e generoso”, o que já lhe custou um patronato numa instituição infantil. Em termos de imagem, o Palácio resolveu descontaminar a palavra “York”.
E as filhas? Princess Beatrice e Princess Eugenie não são afetadas. Como netas diretas de Elizabeth II, mantêm seus títulos e permanecem na linha de sucessão. O que muda é o contexto: com William modernizando a operação e reduzindo a “folha de pagamento simbólica” da realeza, as duas devem ficar cada vez mais discretas, mais vida privada.
O que acontece com o título de Duque de York?
Tecnicamente, o título não está “disponível”. Embora Andrew tenha renunciado ao uso público do ducado, ele ainda o detém legalmente. Títulos ducais são vitalícios e só deixam de existir com a morte do titular — ou por meio de um Ato do Parlamento, o que não ocorreu.
Charles não pode conceder o título a outro enquanto Andrew estiver vivo, apenas impedir o uso e as funções associadas. Assim, o Ducado de York segue existindo, mas em estado de suspensão.
Quando Andrew morrer, o título voltará automaticamente à Coroa, já que ele não tem filhos homens — requisito para herdar títulos nobiliárquicos na tradição britânica. Nesse ponto, o rei (ou William, se já for soberano) poderá recriar o título e concedê-lo novamente. O destino mais provável é que o príncipe Louis, segundo filho de William e Kate, herde o ducado no futuro, mantendo a tradição de associar o título ao segundo filho de um monarca reinante.
No terreno constitucional, vale separar expectativa e regra. Conselheiros de Estado: por lei, a elegibilidade decorre da posição na linha de sucessão e de ajustes aprovados pelo Parlamento (em 2022, Anne e Edward foram adicionados para ampliar o “banco de reservas”). Na prática, só é chamado quem trabalha para a Coroa — o que Andrew não faz. Ou seja: ele pode continuar elegível em tese, mas inativo de fato. O mesmo raciocínio vale para o endereço: o Royal Lodge, residência de 30 cômodos, permanece com Andrew por arrendamento privado com o Crown Estate — assunto de atrito com o rei, mas juridicamente separado dos títulos e honrarias.
O cálculo político de Charles incluiu outro relógio: faltam dias para o lançamento póstumo das memórias de Virginia Giuffre, cujo processo civil Andrew encerrou com acordo financeiro, sem admissão de culpa. O livro reabre o caso e garante nova maratona de capas. Ao forçar o “passo além” antes que a onda chegasse, o Palácio tirou o oxigênio do noticiário: a notícia agora é a queda do ducado, não o detalhe sórdido.
Inevitavelmente surge a pergunta: isso prepara terreno para “medidas” contra Meghan e Harry? Não há trilho legal automático — os Sussex saíram por escolha, com termos negociados desde 2020, e não enfrentam acusações criminais. Mas o precedente simbólico ficou nítido: título não blinda reputação. Se a pressão pública empurra a monarquia para o canto, o Palácio mostrou que sabe abrir a válvula — com “renúncia negociada”, não com canetada. Em outras palavras, ninguém é grande demais para cair quando a Coroa está em risco.
No fim, o Ducado de York — título historicamente associado ao segundo filho do soberano — vira nome sem corpo. Andrew continua príncipe na certidão, mas ex na prática. Sarah perde o estilo que a acompanhou por quase quatro décadas. Beatrice e Eugenie seguem princesas, porém órfãs de um sobrenome público que agora a Coroa prefere manter fora de cena. É a monarquia de Charles em modo sobrevivência: menos pompa, mais controle de danos — e a certeza de que, doravante, honra e utilidade pública não são negociáveis.
Descubra mais sobre
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.
