Em outubro de 1985, uma música que soa como um eco de algo antigo, e ao mesmo tempo moderno demais para caber no tempo em que foi criada. Cities in Dust virou um dos maiores sucessos da banda Siouxsie and the Banshees. Nascida do pós-punk, embebida no espírito gótico e pulsando sob uma batida dançante, ela transformou a tragédia de Pompeia em poesia pop — e, quase quatro décadas depois, continua a reverberar entre as ruínas e os fones de ouvido de novas gerações.

O nascimento de uma ruína dançante
Em 1985, Siouxsie Sioux, Steven Severin e Budgie já eram nomes consolidados na cena alternativa britânica. Com uma estética teatral e som carregado de tensão e sensualidade, o grupo vinha expandindo fronteiras desde o final dos anos 1970. Cities in Dust apareceu como um marco dessa transformação: um som mais acessível, quase pop, mas que jamais abria mão da densidade lírica e atmosférica que definia a banda.
O single antecipou o álbum Tinderbox (1986) e rapidamente se tornou um dos maiores sucessos da carreira do grupo. No Reino Unido, alcançou o Top 30; nos Estados Unidos, virou hit nas pistas de dança, chegando ao Top 20 da Dance Chart. Era a prova de que a escuridão também podia ser dançante — e que Siouxsie, com sua voz inconfundível, podia incendiar as rádios sem perder o mistério. Foi com esse álbum que Siouxsie quebrou a bolha americana (e veio ao Brasil pela primeira vez).
Pompeia, pó e metáfora
A letra de Cities in Dust é uma das mais evocativas do catálogo da banda. Inspirada na destruição de Pompeia, a cidade romana soterrada pela erupção do Vesúvio no ano 79 d.C., Siouxsie transforma o desastre arqueológico em uma alegoria sobre a decadência e a vaidade humanas.
“Your former glories and all the stories / Dragged and washed with the tide” — canta ela, como uma deusa que observa, do alto, os restos de uma civilização que acreditava ser eterna.
Há algo de arqueológico no tom da música, como se Siouxsie estivesse escavando camadas de tempo e cinzas em busca de respostas. Pompeia é símbolo, mas também espelho: um lembrete de que toda glória é passageira, e que mesmo o que parece sólido pode desaparecer em segundos. O verso “we found you hiding, we found you lying, choking on the dirt and sand” soa quase como um epitáfio dançante — a voz do passado sussurrando para o presente.

Som, forma e contraste
Musicalmente, Cities in Dust é uma obra-prima de contraste. As guitarras soam ritmadas, quase funkeadas, a bateria de Budgie pulsa com energia tribal, e os sintetizadores adicionam um brilho eletrônico que antecipa muito do que se tornaria o som alternativo dos anos 1980 e 1990.
É uma canção sobre destruição, mas que se ergue com vitalidade. Um lamento que se move, uma elegia que convida à dança.
A performance de Siouxsie, com seu timbre cortante e teatral, transforma a tragédia em celebração — uma espécie de exorcismo coletivo em ritmo de pista.
Entre o gótico e o pop
O sucesso de Cities in Dust marcou um ponto de virada: a banda, até então conhecida por sua sonoridade densa e experimental, provava que era possível cruzar o abismo entre o alternativo e o mainstream sem perder identidade.
Era a era em que o pós-punk se abria para o mundo — e Siouxsie and the Banshees, ao lado de nomes como The Cure e New Order, ajudava a definir o mapa dessa nova estética: som sombrio, mas com apelo pop; introspecção, mas também energia.
Críticos chamaram o single de “uma explosão de pop confiante” — e tinham razão. Cities in Dust tem o charme de algo que soa perigoso, bonito e urgente ao mesmo tempo.
Legado e ecos
Com o passar dos anos, a canção se tornou uma das mais regravadas e revisitadas do repertório da banda. O Garbage, por exemplo, lançou uma poderosa versão em 2023, enquanto o Pato Fu incluiu sua leitura no álbum Daqui Pro Futuro (2007), mostrando o alcance internacional da faixa. Nas telas, Cities in Dust ganhou sobrevida em filmes e séries como Atomic Blonde e 13 Reasons Why, onde sua mistura de beleza e melancolia encontrou novo público.
Mas mais que presença em playlists, o impacto da canção é estético: ela abriu caminho para que o dark pudesse ser pop, para que o apocalipse tivesse ritmo, e para que a música alternativa britânica se tornasse, enfim, universal.

O fascínio do colapso
No coração de Cities in Dust está uma verdade que atravessa séculos: toda cidade — real ou simbólica — está destinada ao pó. Mas há uma beleza nesse colapso, uma poesia que Siouxsie captura com precisão. Enquanto canta sobre cinzas e ruínas, ela nos lembra que até o fim pode ser sublime. Que dançar sobre os escombros é, talvez, a forma mais elegante de sobreviver.
Pompeia pode ter sido destruída, mas Cities in Dust continua viva — queimando devagar, como o fogo que nunca se apaga completamente debaixo da terra.
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