Como Taylor Swift Reviveu a Obra “Ophelia”, de Friedrich Heyser (1900)

Poucas figuras literárias atravessaram os séculos com tanta força simbólica quanto Ofélia, a jovem de Hamlet que enlouquece, canta para as flores e morre afogada. Desde que Shakespeare a escreveu no final do século 16, ela se transformou em metáfora universal — da loucura feminina, da melancolia romântica, da beleza em colapso. E, desde o século 19, também se tornou uma das musas mais retratadas da história da arte.

Em 2025, mais de um século após ter sido pintada, “Ophelia” (c. 1900), de Friedrich Wilhelm Theodor Heyser, ressurgiu como fenômeno cultural. A razão? Taylor Swift.

Quando o pop encontra o simbolismo

Tudo começou com o lançamento do videoclipe de “The Fate of Ophelia”, faixa de abertura do novo álbum de Swift, The Life of a Showgirl. A cena inicial — a cantora deitada em um riacho, envolta em um vestido branco, cercada de flores aquáticas — é um espelho quase exato da pintura de Heyser.

O detalhe não passou despercebido. Fãs no mundo todo identificaram a referência e começaram a peregrinar até o Hessische Landesmuseum, em Wiesbaden, na Alemanha, onde o quadro está exposto. De acordo com reportagem da Town & Country (16 de outubro de 2025), centenas de “Swifties” viajaram até o museu, alguns dirigindo por cinco horas, apenas para ver a pintura pessoalmente. “Uma família veio de Hamburgo só para encontrá-la”, contou a porta-voz Susanne Hirschmann à imprensa alemã.

Em poucos dias, a obra de Heyser passou de peça discreta do acervo regional a atração viral. A imprensa europeia brincou com o termo “overtourism artístico”, e o museu registrou filas incomuns. O quadro do fim do século 19, que antes recebia olhares ocasionais de estudantes e curiosos, agora é o cenário de incontáveis selfies e vídeos.

E há um motivo simbólico para essa conexão. Na canção, Swift reescreve o destino trágico da heroína shakespeariana: “I might’ve drowned in the melancholy,” canta, “but you saved my heart from the fate of Ophelia.” A cantora ressignifica a imagem da morte como redenção — a mulher que antes afundava na dor agora flutua, salva pelo amor.

Friedrich Heyser e a leitura alemã de Ofélia

Mas quem foi Friedrich Heyser, o pintor que agora ganha fama mundial graças a um videoclipe?
Nascido em 1857, Heyser foi um artista alemão formado pela Academia de Belas Artes de Dresden e influenciado pelo realismo e pelo simbolismo do fim do século 19. Viajou a Paris nos anos 1890, estudou na Académie Julian e absorveu elementos do Art Nouveau e da pintura literária.

Ao redor de 1900, quando criou sua Ophelia, a Europa vivia o auge da estética simbolista — um movimento que buscava traduzir estados de alma por meio de imagens poéticas e atmosféricas. Nesse contexto, o tema de Ofélia era quase inevitável: a mulher que enlouquece por amor, que se dissolve na natureza e cujo corpo se confunde com o ambiente tornou-se uma das obsessões visuais da época.

A pintura de Heyser reflete exatamente isso. O corpo de Ofélia está sereno, envolto pela água e pelas flores, num instante suspenso entre a vida e a morte. Diferente da famosa versão pré-rafaelita de John Everett Millais (1852), que captura o momento do afogamento, Heyser mostra o repouso depois do fim — o silêncio, não o grito.

Seu olhar é menos teatral e mais introspectivo. É uma Ofélia “alemã”, herdeira do romantismo tardio, onde a natureza é o espelho da alma e a morte, uma extensão da paisagem. O branco do vestido, as sombras verdes, a luz levemente filtrada — tudo evoca uma espiritualidade melancólica.

A comparação inevitável: Millais x Heyser

Para entender o alcance da redescoberta atual, é preciso lembrar que a “Ophelia” de Millais, exposta na Tate Britain, sempre foi a imagem definitiva da personagem. O pintor inglês usou Elizabeth Siddal como modelo, e sua tela se tornou ícone vitoriano — uma fusão de beleza, tragédia e virtuosismo técnico.

Heyser, ao contrário, ficou em segundo plano histórico. Sua obra permaneceu em coleções regionais na Alemanha e quase nunca foi reproduzida fora do país. No entanto, visualmente, as duas partem da mesma ideia: a fusão entre corpo, natureza e destino.

Enquanto Millais captura o drama do instante em que a vida se esvai, Heyser parece pintar o momento seguinte — a paz após o desespero, como se Ofélia já fizesse parte do rio. É uma abordagem mais simbólica, mais espiritual e menos literal.

O retorno de uma imagem

Essa serenidade talvez explique por que, mais de um século depois, a pintura voltou a comover um público inteiramente novo. A estética de Heyser — a luz difusa, o branco flutuante, o gesto rendido — dialoga com a sensibilidade moderna e com o imaginário das redes sociais. Sua Ophelia é melancólica, mas também etérea, quase cinematográfica.

E foi justamente essa qualidade que Taylor Swift capturou ao recriá-la em vídeo. A Ophelia de 1900, que nasceu do simbolismo europeu, hoje renasce pela lente da cultura pop global, num ciclo perfeito entre arte, literatura e música.

Entre a tragédia e o renascimento

Do ponto de vista histórico, o interesse renovado pela obra mostra como a figura de Ofélia continua viva. Cada época a reinventa: no romantismo, ela representava a pureza destruída; no simbolismo, a fusão entre beleza e morte; no feminismo contemporâneo, o retrato de uma mulher que rejeita as expectativas impostas.

Agora, em 2025, ela ganha nova voz — não a da loucura, mas a da sobrevivência.
Taylor Swift reescreve o final. Friedrich Heyser, um século antes, já havia suavizado o desespero. Ambos, cada um a seu modo, nos lembram que a melancolia também pode ser bela — e que a arte, mesmo depois de tanto tempo, ainda flutua.


Descubra mais sobre

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Deixe um comentário