Há músicas que não envelhecem porque falam de algo mais profundo do que o tempo. Child in Time, do Deep Purple, é uma dessas.
Lançada em 1970, no auge da Guerra Fria, ela nasceu como um grito — uma meditação entre a inocência e a destruição, entre a fé e o desespero. Mais de cinquenta anos depois, essa canção monumental volta a ecoar, agora sobre o trailer da temporada final de Stranger Things, para anunciar o que vem aí: o fim.

O nascimento de um hino
Em 1969, o Deep Purple estava se reinventando. Depois de flertar com o psicodelismo e o rock progressivo, a banda britânica mergulhava no que viria a ser o hard rock moderno. Jon Lord, tecladista e mestre do órgão Hammond, tocava no estúdio uma melodia inspirada em Bombay Calling, do grupo americano It’s a Beautiful Day. A improvisação virou uma epifania: o riff se transformou, ganhou vida própria, e Ian Gillan começou a escrever versos que falavam de medo, inocência e violência. Nascia Child in Time, faixa central do álbum Deep Purple in Rock, lançado em 1970 — um marco do gênero e um retrato sonoro da tensão política da época.
“Sweet child in time, you’ll see the line / the line that’s drawn between the good and the bad.”
O “doce filho no tempo” de Gillan não é só uma criança. É a humanidade tentando se manter inocente diante da destruição que ela mesma cria.

Com mais de dez minutos de duração, a música começa suave, quase litúrgica — o órgão cria uma aura de igreja, o vocal é um lamento — até explodir em solos de guitarra de Ritchie Blackmore e gritos que parecem rasgar o mundo.
É uma ascensão e queda: o ciclo do medo e da guerra, o som do abismo entre o certo e o errado.
Entre a Guerra Fria e Hawkins
Quando Child in Time foi lançada, o mundo vivia sob a sombra nuclear. Quando ela reaparece agora, em Stranger Things 5, a ameaça é outra — mas o sentimento é o mesmo.
A quinta temporada da série começa em outono de 1987, um ano depois do colapso de Hawkins. Os portais para o Upside Down estão abertos, o exército tomou a cidade e a população vive sob quarentena militar. Vecna, o inimigo final, desapareceu. E o grupo que cresceu junto — Eleven, Mike, Dustin, Lucas, Will e os outros — precisa se reunir para caçá-lo e destruir o mal que eles próprios ajudaram a despertar.
Segundo a sinopse oficial:
“Com o aniversário do desaparecimento de Will se aproximando, o mesmo sentimento familiar de terror retorna. A batalha final está chegando — e com ela, uma escuridão mais poderosa e mais mortal do que tudo que já enfrentaram.”
É nesse clima — de fim, de medo, de união — que o trailer da temporada final traz Child in Time como trilha. O órgão de Jon Lord ecoa sobre as imagens de destruição, enquanto as vozes de Gillan gritam por algo impossível: salvação.

O uso da música no trailer — o eco do fim
A escolha é simbólica e genial. A série sempre usou canções clássicas para reforçar emoções: Should I Stay or Should I Go, Heroes, Running Up That Hill. Mas Child in Time é diferente. Ela não pertence apenas aos anos 80 — pertence ao imaginário de toda uma era que viveu com medo do fim do mundo.
A letra fala diretamente ao enredo da temporada: “Você verá a linha traçada entre o bem e o mal.”
Em Hawkins, essa linha nunca foi tão tênue. Os jovens heróis, agora mais velhos e marcados, vivem o mesmo dilema moral e existencial que a canção propõe: o tempo os amadureceu, mas não os poupou. Eles continuam sendo “crianças no tempo”, tentando sobreviver em um mundo onde inocência e horror coexistem.
A melodia crescente, que começa suave e termina explosiva, espelha o arco de Stranger Things: o silêncio de uma pequena cidade americana que foi se transformando no campo de batalha entre dimensões.
Uma canção sobre medo, esperança e destino
Quando Ian Gillan escreveu Child in Time, ele imaginava um “filho” crescendo em meio a bombas, aprendendo a distinguir o bem do mal — e percebendo que essa fronteira é ilusória. Essa é, essencialmente, a trajetória de Stranger Things: crianças forçadas a crescer rápido demais, testemunhas do colapso da própria inocência.
O som de Child in Time é o som do inevitável. E é exatamente isso que a temporada final promete.

Os irmãos Duffer confirmaram que os novos episódios revelarão os últimos segredos do Upside Down — respostas guardadas desde a primeira temporada, em um documento de 25 páginas que mapeava toda a mitologia do outro lado. Agora, tudo se completa.
A Netflix dividirá o encerramento em três partes:
- Volume 1 (Episódios 1–4): estreia em 26 de novembro
- Volume 2 (Episódios 5–7): em 25 de dezembro
- O Final (Episódio 8): em 31 de dezembro
Ou seja: o ano termina junto com Hawkins.
O grito de Ian Gillan, ecoando sobre o caos de Hawkins, é o grito de toda uma geração. E, assim como a canção, o fim de Stranger Things promete ser um clímax — doloroso, inevitável e inesquecível.
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