Entre o Monstro e o Homem: As versões mais fiéis de Frankenstein e a longa espera por empatia

É curioso perceber como, mais de dois séculos depois da publicação de Frankenstein ou o Prometeu Moderno, de Mary Shelley, ainda parecemos debater o mesmo dilema moral que moveu a jovem escritora inglesa em 1818: o que acontece quando o homem cria algo que não pode amar? E, no cinema, essa discussão foi amplificada por uma dualidade inevitável — entre o mito popular do monstro e a tragédia literária de seu criador.

A maior parte das pessoas não conhece o Frankenstein de Shelley, mas o Frankenstein de Boris Karloff. O filme da Universal de 1931, dirigido por James Whale, cristalizou a imagem do monstro com parafusos no pescoço, olhos mortos e o grito icônico de “It’s alive!”. É uma imagem poderosa, sim, mas muito distante do original. O romance nunca descreve um ser inepto e mudo, tampouco um cientista enlouquecido em um laboratório elétrico. Shelley escreveu sobre culpa, solidão e ambição — sobre o fardo de brincar de Deus.

Desde então, o mito cinematográfico se dividiu em duas linhagens: a do espetáculo e a da alma. De um lado, o terror expressionista e visual de Karloff e seus descendentes — da Hammer Films às paródias pop. Do outro, as tentativas (raras, mas valiosas) de recuperar o texto de Shelley, com sua filosofia humanista e seu horror moral.

A primeira tentativa de levar o romance ao cinema veio ainda em 1910, produzida pela Edison Studios. É um curta de 13 minutos, silencioso e simbólico, em que a criação nasce de um caldeirão de fumaça, mais alquímico do que científico. Há ali um toque de inocência e introspecção, como se a história fosse uma fábula moral, e não uma narrativa de horror.

Décadas depois, a britânica Hammer Films ofereceu uma reinvenção mais sangrenta, The Curse of Frankenstein (1957), com Peter Cushing e Christopher Lee. Embora ainda prisioneiro da estética gótica e das limitações do gênero, o filme recupera parte da essência do livro — o cientista vaidoso e a criatura que, mesmo sem fala, reflete sua desumanização.

Mas foi nos anos 1970 que a televisão americana se aproximou mais do romance de Shelley. Frankenstein: The True Story (1973), uma minissérie da NBC, é uma joia muitas vezes esquecida. Foi a que mais me impactou, com um Leonard Withing recém saído de Romeu e Julieta como o cientista, a jovem Jane Seymour como Elizabeth (no filme, Prima) e Michael Sarrazin como a criatura.

A Criatura começa bela e articulada, mas apodrece gradualmente, tornando visível a corrupção moral que Shelley descreve. É uma das poucas adaptações que realmente entende o coração do livro: o medo da rejeição e a busca por aceitação.

Logo depois, em 1974, veio o oposto em tom, mas não em reverência. O Jovem Frankenstein, de Mel Brooks, transformou o mito em comédia — uma paródia amorosa dos filmes da Universal, filmada em preto e branco, usando inclusive os equipamentos originais de 1931. Estrelado por Gene Wilder, o filme é ao mesmo tempo sátira e homenagem: ri do terror clássico, mas o entende profundamente. No fundo, Brooks também fala sobre criação e legado, sobre o herdeiro que tenta não repetir os erros do passado. O riso, aqui, é a forma de redenção que o monstro de Shelley jamais teve.

Em 1994, Kenneth Branagh assumiu a ambição de adaptar Mary Shelley’s Frankenstein “como ela o escreveu”. Produzido por Francis Ford Coppola, o filme prometia ser a versão definitiva — literária, romântica, visceral. E, em muitos sentidos, é. Branagh trouxe de volta as cartas do capitão Walton, a estrutura narrativa e o tom trágico. Mas o resultado foi tão teatral, tão excessivo, que o drama humano se perdeu entre relâmpagos e suor. Ainda assim, é a adaptação mais fiel já feita para o cinema, e, ironicamente, também a mais criticada por sua grandiosidade. O que sobrevive como pura beleza é a trilha sonora monumental de Patrick Doyle — o coração que o filme esqueceu de ouvir.

Dez anos depois, a Hallmark Channel lançou uma versão televisiva dirigida por Kevin Connor, com Alec Newman como Victor e Luke Goss como a Criatura. Pouco lembrada, é na verdade uma das mais literais: mantém a estrutura epistolar e o cenário ártico, preservando as falas e os dilemas morais de Shelley. Modesta, mas emocionalmente fiel.

Outras tentativas modernas, como Victor Frankenstein (2015), com James McAvoy e Daniel Radcliffe, preferiram reinterpretar a lenda de forma contemporânea — aqui, contada pelo ponto de vista de Igor, que nem existe no livro. É uma releitura criativa, mas distante da essência original.

E agora, três décadas depois da versão de Branagh, Guillermo del Toro se prepara para revisitar a história. Seu Frankenstein é a primeira grande adaptação autoral desde os anos 1990. Del Toro, que sempre tratou os monstros como seres de dor e ternura — de O Labirinto do Fauno a A Forma da Água —, devolve ao mito sua humanidade perdida. No elenco, Oscar Isaac, Jacob Elordi, Mia Goth e Christoph Waltz formam o coração dessa nova visão, que explora a empatia e o isolamento sob a luz melancólica que só Del Toro sabe acender (e faz alguns ajustes do livro).

Entre a criatura trágica de Shelley e o ícone pop de Karloff, há mais de um século de tentativas de conciliar o humano e o monstruoso. Mas talvez só agora, com a sensibilidade de Del Toro, essa dualidade encontre o tom certo — aquele que Patrick Doyle já havia pressentido em sua música de 1994: a beleza que nasce da ruína, e o amor impossível entre o criador e o que ele rejeita.


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