Lazarus: quando o mistério é a mente

Séries com a assinatura de Harlan Coben costumam ter algumas marcas registradas: adaptações de seus best-sellers, pelo menos um mistério central e reviravoltas mirabolantes nas conclusões. Lazarus tem uma diferença essencial: foi escrita diretamente para o Prime Video — ou seja, é uma história original.

O protagonista é Joel “Laz” Lazarus, um psiquiatra forense que volta à cidade natal após o aparente suicídio do pai, o Dr. Jonathan Lazarus. Laz carrega um trauma de infância: a irmã gêmea, Sutton, foi assassinada há cerca de 25–27 anos, em um crime não solucionado que o marcou profundamente. Ao retornar, ele começa a ter visões e experiências que desafiam a realidade — “fantasmas”, pistas e lembranças que o levam a investigar tanto a morte do pai quanto casos antigos. Ao longo dos seis episódios, Laz desenterra segredos de família, o verdadeiro alcance da atuação do pai como psiquiatra, pacientes desaparecidos ou mortos — e como tudo parece conectado ao passado. Paro aqui para evitar (por ora) o spoiler de “quem matou”. Sim: a jornada é mais interessante do que a revelação.

Estrelada pelo ótimo Sam Claflin, a série já abre com uma das mais belas canções de Michel Legrand, “The Windmills of Your Mind”, vencedora do Oscar e composta para The Thomas Crown Affair (1968). A letra original em francês é de Eddy Marnay; em inglês, brilha o trabalho do casal Alan e Marilyn Bergman. A canção explora poeticamente a mente humana, a memória, o tempo e a sensação de estar preso a um ciclo contínuo de pensamentos.

Ela se encaixa perfeitamente em Lazarus porque a série articula dois eixos que se alimentam: trauma intergeracional e reescrita do real pela memória e pelo sobrenatural. Joel retorna não só para lidar com a morte do pai, mas para revisitar a noite que tentou enterrar — a morte de Sutton. Esse momento-chave da infância é o epicentro da trama: culpa, silêncio, memórias parciais, segredos de família. O pai, figura de autoridade e cura, revela-se o oposto: um agente de manipulação e destruição.

O sobrenatural — visões, “fantasmas”, sessões gravadas — funciona como metáfora do inconsciente familiar que insiste em se mostrar. As aparições não são truques de thriller: são manifestações do peso do passado, da herança de dor. Joel, psiquiatra forense, lida profissionalmente com mentes perturbadas — mas é incapaz de lidar com a própria. Eis a contradição rica em camadas: o curador que precisa ser curado.

Jonathan Lazarus é um personagem fascinante: brilhante, culto, enigmático — e, aos poucos, desmascarado como arquiteto de um esquema de mortes e enganos. Ele encarna o patriarca que pratica o mal sob o manto da ciência. Joel herda o consultório, os arquivos, a máscara de “Dr. L” e se vê na encruzilhada entre seguir o legado ou quebrá-lo. A cena final sugere que, mesmo desmontando o pai, ele o internalizou. “Filhos são como os pais” soa como um sino funesto: o legado não se limita ao nome, mas inclui trauma, inclinação e um molde invisível.

As personagens orbitam o mesmo núcleo e mostram que a “família Lazarus” é um ecossistema de feridas, segredos e ambiguidades morais. Essa teia dialoga com conceitos clássicos da Psicanálise: neurose de destino e determinismo psíquico. A primeira é o impulso inconsciente de repetir experiências dolorosas, como tentativa de dominar o que um dia nos dominou; não é “destino”, é o inconsciente repetindo um trauma não elaborado. Já o determinismo psíquico afirma que nada é casual na vida mental: todo ato, lapso ou escolha tem um motivo, ainda que inconsciente.

Esses conceitos ecoam na canção de Legrand que abre a série: a mente como moinho de vento (Windmills of Your Mind), onde o passado gira sem cessar tentando se resolver. A neurose de destino é o giro repetido; o determinismo psíquico é o motor que o impulsiona.

Em Lazarus, Joel vive essa armadilha: retorna ao passado, roça o destino do pai, revisita a irmã morta — tudo movido por uma força psíquica que o amarra ao trauma familiar. E o espectador não recebe um “fim”, mas uma pergunta: romper ou repetir? (Fica a dica: com consciência, análise e elaboração, sim, é possível romper.)


Descubra mais sobre

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Deixe um comentário