“‘¿Quién es?’: o tiro no escuro que selou a lenda de Billy the Kid”

É uma pena que Billy the Kid siga sendo uma das séries históricas mais subestimadas do momento. Michael Hirst — criador de Vikings e The Tudors — faz aqui um trabalho minucioso e profundamente humano, reconstruindo a trajetória do lendário William H. Bonney com densidade emocional, complexidade moral e um olhar de empatia rara. Interpretado com intensidade por Tom Blyth, Billy deixa de ser o fora-da-lei mítico para se tornar o jovem condenado por um mundo que o traiu desde o nascimento.

No episódio 5, “Breaking the Shackles”, a tensão atinge o auge. Billy está preso, condenado à forca e vigiado por dois homens que simbolizam os extremos da lei: o violento Bob Olinger e o honesto James Bell. Pat Garrett (interpretado com dureza e ambiguidade por Alex Roe) sabe bem do que Billy é capaz, e ordena vigilância total — mas o rapaz, como sempre, enxerga frestas onde ninguém vê saídas.

Com uma mistura de calma e desespero, Billy transforma o momento mais banal — um pedido para ir ao banheiro — em sua oportunidade final. Ele não quer matar James, e até o avisa. Mas o medo faz o homem correr, e o disparo é inevitável. A culpa pesa, mas dura pouco: Olinger chega armado, e dessa vez Billy não hesita. É a vingança que o público esperava, mas que ele executa com o mesmo olhar triste de quem sabe que liberdade e morte estão lado a lado no horizonte.

Livre, montado novamente em seu cavalo, Billy desaparece nos campos — e o faroeste volta a respirar. Sua imagem, no entanto, já foi corrompida pela imprensa, que o transforma em monstro, símbolo de um mal que ele nunca realmente encarnou. O episódio deixa claro: Billy é produto de um sistema injusto, um sobrevivente moldado por uma sociedade que o empurrou até o limite.

Enquanto isso, Emily (Nuria Vega) começa a questionar o pai, o influente Catron, sobre a real necessidade de matar Billy. Ela defende o pistoleiro não apenas por compaixão, mas por enxergar nele o retrato do país que o cerca — uma nação construída por imigrantes, irlandeses inclusive, e manchada pela hipocrisia dos que decidem quem merece viver. Garrett, por sua vez, começa a perder o controle moral. Seu olhar sobre Dulcinea (Rasha Bilal) e a brutalidade com que a trata são sinais do homem que ele está se tornando: um caçador obcecado, movido mais pelo orgulho do que pela justiça.

O episódio culmina na clássica cena de Fort Sumner. Billy, acreditando estar seguro na casa de Pete Maxwell, é surpreendido por Garrett — e alvejado no escuro. O tiro, no peito, ecoa como uma sentença final. Mas com três episódios ainda por vir, fica a dúvida: será que Billy the Kid vai abraçar a versão oficial, ou alimentar o mito de que ele sobreviveu?

Entre o homem e o mito: o espelho dos anti-heróis

A morte de Billy — ou o que parece ser sua morte — funciona menos como encerramento e mais como um espelho. Em Billy the Kid, Michael Hirst parece revisitar a mesma pergunta que pairava sobre Tommy Shelby em Peaky Blinders ou sobre Jesse James em The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford: como se mata um mito?

Nenhum desses homens foi herói no sentido clássico. São figuras marcadas pela violência, pela solidão e pela culpa — mas também pela lucidez de compreender que, no fim, o sistema é sempre o verdadeiro vilão. A diferença é que Billy carrega uma inocência que Tommy e Jesse já haviam perdido. Ele não manipula nem disfarça suas intenções; apenas sobrevive, e é punido por isso.

A câmera de Billy the Kid insiste no silêncio, nas pausas, na vastidão do deserto que o cerca. Quando Garrett atira no escuro, a cena não é apenas uma execução, é uma metáfora: o homem da lei precisa apagar o reflexo de algo que o assombra — a liberdade, o caos, a juventude que ele próprio perdeu. O faroeste, afinal, sempre foi uma disputa entre ordem e espírito. Billy é o espírito.

Em The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford, Andrew Dominik mostrava o mito morrendo em câmera lenta, com a consciência de que o assassinato o tornava eterno. Em Peaky Blinders, Tommy Shelby se despede sem morrer, porque entende que sua lenda já o substituiu. Aqui, Hirst parece seguir a mesma lógica: Billy pode cair, mas o mito é imortal.

A cada episódio, a série reafirma que a verdadeira tragédia não está no fim do pistoleiro, mas no modo como a História escolhe lembrá-lo. Billy é a prova de que o “fora-da-lei” é, muitas vezes, aquele que mais acredita na lei — só não na lei dos homens, mas na da própria natureza.

Hirst parece interessado em mais do que a morte do pistoleiro. Ele quer explorar o que significa sobreviver à própria lenda. E é justamente por isso que Billy the Kid continua fascinante: não é sobre o fim de um homem, mas sobre como o tempo o transforma em mito — e o mito, em espelho da América.


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