Há muitas histórias de desaparecimentos, mistérios que o tempo ainda não conseguiu resolver. Em geral, esses casos guardam uma relação direta com crimes ou tragédias humanas — desaparecimentos associados à violência, assassinatos ou fugas. Mas o caso de Amelia Earhart é diferente.
Há quase 90 anos, quando desapareceu em 1937, Amelia não fugia da morte, mas a desafiava. Ao tentar circunavegar o planeta pilotando seu avião, ela enfrentava os limites da tecnologia e da própria resistência humana. Era um período em que os instrumentos de navegação eram rudimentares, e o voo sobre oceanos vastos e inexplorados representava o ápice da ousadia.
Seja pelo fato de que desapareceu muito perto da chegada, seja porque uma falha de navegação a desviou da rota correta, as últimas gravações de Amelia são de momentos de desespero no ar, com pouco combustível, pedindo ajuda. Temos suas coordenadas finais porque foi ela mesma quem as transmitiu. Sua morte é especialmente incômoda porque parece ter estado tão perto de ser evitada — e ainda assim, quase um século depois, sabemos tão pouco, ou nada, sobre o que aconteceu.
Eu mesmo compartilho esse fascínio mórbido em imaginar onde ela passou suas últimas horas, dias ou semanas. Até 2025, nem o avião foi localizado, como se Amelia e seu Lockheed Electra tivessem simplesmente desaparecido do mundo.
Há empatia em reconhecer, em nossa imaginação, a angústia e o desespero de quem percebe que o fim se aproxima. Mas, talvez por conforto, muitos preferem imaginar que ela conseguiu pousar em uma ilha remota, onde teria alimentado a esperança de ser resgatada — e onde, infelizmente, teria morrido.
Assim, encontrar onde Amelia Earhart morreu virou, de fato, uma caça ao tesouro — uma busca que mistura ciência, mito e uma necessidade profundamente humana de compreender o desaparecimento de quem ousou demais.

Novas pistas no Pacífico
Em outubro de 2025, a CNN revelou uma nova tentativa de solucionar o enigma. Uma imagem de satélite com uma forma estranha no Pacífico Sul reacendeu o interesse mundial no mistério.
Tudo começou de forma quase banal: o veterano da Marinha dos EUA Mike Ashmore, durante o isolamento da pandemia, examinava imagens de satélite no Apple Maps quando avistou algo inesperado em uma lagoa da pequena ilha Nikumaroro, localizada entre a Austrália e o Havaí.
Ele achou que o que via se assemelhava a uma asa de avião, e compartilhou a descoberta em um fórum sobre Earhart, hospedado pelo grupo TIGHAR (The International Group for Historic Aircraft Recovery) — organização que há décadas investiga o caso.
A imagem, chamada de “Objeto Taraia”, chamou a atenção do arqueólogo Rick Pettigrew, diretor do Instituto do Legado Arqueológico em Oregon. Segundo Pettigrew, a anomalia aparece em fotos aéreas desde 1938, o que reforçou a necessidade de uma nova expedição.
A nova expedição
Liderada por Pettigrew e pela Universidade Purdue — onde Earhart trabalhou como professora de aviação —, a nova equipe deve partir em 4 de novembro de 2025 para investigar o Objeto Taraia. A expedição vai navegar 2.200 quilômetros até Nikumaroro e passar cinco dias na ilha.
Se confirmarem que o objeto é parte do avião de Amelia, será uma das descobertas arqueológicas mais emblemáticas do século. Mas o consenso ainda está longe. Enquanto uns apostam na hipótese de que Earhart e o navegador Fred Noonan pousaram e morreram como náufragos na ilha, outros acreditam que o avião simplesmente caiu no oceano, após ficar sem combustível.
A empresa Nauticos, sediada no Maine, prepara uma quarta tentativa de localizar os destroços nas profundezas próximas à Ilha Howland, o destino original do voo. Eles recriaram, em 2020, as condições do rádio e das transmissões de Amelia para calcular a posição exata de sua última comunicação — e acreditam que estão mais próximos do que nunca.
A hipótese de Nikumaroro
A teoria de Nikumaroro, defendida por Pettigrew e por Ric Gillespie (fundador da TIGHAR), sustenta que Earhart pousou seu avião no recife de coral durante a maré baixa e sobreviveu por dias, talvez semanas, enviando sinais de socorro.
Os ossos encontrados em 1940, inicialmente identificados como masculinos, foram reavaliados com tecnologia forense moderna e podem pertencer a uma mulher com o mesmo biotipo de Earhart. Outros achados reforçam a hipótese: um espelho compacto, um canivete, fragmentos metálicos e uma caixa de sextante.
Mesmo assim, as evidências continuam inconclusivas. Gillespie acredita que o avião foi arrastado pela maré e destruído nas ondas, enquanto Pettigrew sustenta que o Objeto Taraia pode ser o último vestígio da aeronave.

Um símbolo que não desaparece
Independentemente do resultado, o caso de Amelia Earhart transcende a investigação arqueológica. Ela representa um espírito de aventura e desafio que atravessa gerações — uma mulher que, nos anos 1930, ousou ocupar um espaço quase exclusivo dos homens, e pagou o preço da própria coragem.
Quase um século depois, a busca por seu avião e pelo seu destino final não é apenas uma tentativa de resolver um mistério, mas uma forma de reafirmar o poder do sonho humano de voar — e de nunca desaparecer completamente.
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