Down Cemetery Road: Emma Thompson brilha na adaptação do primeiro universo de Mick Herron

Para os fãs de Slow Horses, conhecer Down Cemetery Road é quase um alívio — e uma deliciosa ironia. O novo thriller da Apple TV Plus traz todos os elementos que amamos no universo de Mick Herron: espionagem, humor cínico, instituições quebradas e personagens tão humanos que doem. A diferença? Aqui quem comanda a ação é Zoë Boehm, vivida com maestria por Emma Thompson — uma mulher que antecede Jackson Lamb em espírito, inteligência e desilusão.

Sim, antes de Slough House existir, havia Oxford. Antes do caos de Lamb, existia a solidão de Zoë. E ela chegou anos antes.

De onde ela veio

Lançado em 2003, Down Cemetery Road é o romance de estreia de Mick Herron e inaugurou a série protagonizada por Zoë Boehm — e viria a ser seguido por The Last Voice You Hear (2004), Why We Die (2006) e Smoke and Whispers (2009).

Em sua origem literária, a história é um misto de thriller político e drama existencial. Sarah Tucker, uma mulher aparentemente comum, testemunha uma explosão em Oxford e, ao descobrir o desaparecimento de uma criança, decide investigar. Entra então Zoë Boehm, uma investigadora particular de fala afiada, passado nebuloso e zero paciência para hipocrisia. As duas formam uma improvável dupla em meio a conspirações e segredos de Estado — o tipo de labirinto moral que Herron tanto gosta de construir.

Quem é Zoë Boehm?

Zoë Boehm é, essencialmente, o protótipo de Jackson Lamb. Cínica, solitária e movida por uma ética muito pessoal, ela navega entre o que é certo e o que é possível. Trabalha sozinha, desconfia de todos e, ainda assim, tem um senso de justiça que teima em sobreviver. Enquanto Lamb é o retrato de um homem já corrompido pelo sistema, Zoë ainda tenta resistir — e essa diferença faz dela uma figura fascinante.

Na série, Emma Thompson dá a Zoë uma profundidade emocional impressionante. O olhar cansado, o humor seco e o tom de voz que alterna entre ironia e ternura lembram por que Thompson é uma das maiores intérpretes britânicas de sua geração. Assim como Gary Oldman fez com Lamb, Emma entende que a força desses personagens está no desconforto — na solidão que se transforma em escudo, no riso que nasce da dor.

Emma Thompson no papel ideal

A escolha de Emma Thompson é, simplesmente, um acerto de mestre. A atriz transita entre comédia e drama com naturalidade, é vencedora de Oscar como atriz (Howards End) e roteirista (Sense and Sensibility), e tem um timing raro para capturar o humor seco britânico que define a escrita de Herron. Em Down Cemetery Road, ela está à vontade — espirituosa, cortante e vulnerável, às vezes tudo ao mesmo tempo. É como se Zoë Boehm tivesse sido escrita para ela duas décadas antes.

Assim como Oldman elevou Jackson Lamb ao status de ícone, Emma Thompson transforma Zoë numa presença magnética — uma mulher que carrega o peso do mundo sem jamais perder o senso de ironia.

Uma Oxford que esconde segredos

Nos dois primeiros episódios, a série estabelece o tom: um suspense elegante, cheio de reviravoltas, ambientado em uma Oxford que parece calma, mas está à beira do colapso. Zoë cruza o caminho de Sarah Tucker (Ruth Wilson) — e a química entre Thompson e Wilson é uma das forças da trama. Ruth, sempre precisa, dá à Sarah a mistura de ingenuidade e determinação que faz o público torcer por ela, mesmo quando tudo parece se desintegrar.

A dinâmica das duas é o coração da história: Zoë tenta não se envolver, Sarah insiste em fazê-la sentir de novo. É um jogo de espelhos sobre culpa, trauma e a difícil arte de continuar tentando entender o mundo quando ele já não faz sentido.

Com seis episódios e direção afiada, Down Cemetery Road é mais do que um spin-off espiritual de Slow Horses — é uma carta de origem. E agora, com Emma Thompson no comando, o que era prelúdio se transforma em potência: uma série elegante, cínica, divertida e melancólica — exatamente como Mick Herron queria.

Porque, no fim das contas, a ironia é perfeita: Zoë Boehm chegou antes. Só agora o mundo está pronto para ela.


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