A Evolução do Mito de Robin Hood

Poucas personagens pertencem tanto à cultura popular que se tornam espelhos de cada época. Robin Hood é uma delas. Desde que as baladas medievais o transformaram em símbolo da resistência popular — o fora da lei que desafiava reis e cobradores de impostos —, cada geração sentiu a necessidade de recontar sua história à sua própria maneira. O resultado é uma galeria de versões que vão do romântico ao político, do ingênuo ao brutal, do conto de fadas à tragédia. E nenhuma delas chegou a decifrar quem teria sido o “verdadeiro Robin Hood”.

A figura do herói oscila entre mito e realidade, e não há provas concretas de que ele tenha realmente existido. As primeiras referências surgem em baladas e canções medievais dos séculos XIII e XIV, que narravam as aventuras de um fora-da-lei habilidoso com o arco e flecha vivendo na Floresta de Sherwood, perto de Nottingham. Já ali, ele era descrito como alguém que “roubava dos ricos para dar aos pobres”, símbolo da luta contra a injustiça social num tempo em que o povo sofria sob o peso dos senhores feudais e da monarquia.

Alguns historiadores acreditam que o mito pode ter sido inspirado em figuras reais, como Robert Hod, citado em registros de 1225, ou Robert of Loxley, um arqueiro de Sheffield. Outros apontam que “Robehod” e “Robyn Hode” se tornaram apelidos genéricos dados a criminosos, o que sugere que Robin Hood nasceu mais como símbolo popular de rebeldia do que como uma pessoa específica. A lenda se misturou à história quando passou a incluir personagens reais como o Rei Ricardo Coração de Leão e o Príncipe João Sem Terra, transformando o herói num defensor do povo contra a tirania.

Com o tempo, o personagem foi reinventado inúmeras vezes — de bardo folclórico a nobre justiceiro. Escritores como Sir Walter Scott, em Ivanhoé, deram-lhe um tom romântico e patriótico, e o cinema e a TV perpetuaram sua imagem como herói carismático, corajoso e moralmente justo. No fim, o verdadeiro Robin Hood talvez nunca tenha existido, mas o mito sobrevive porque encarna algo muito real: o desejo universal de justiça e de enfrentar o poder em nome dos oprimidos. O cinema e a TV, naturalmente, não poderiam ignorá-lo.

O primeiro grande marco veio com The Adventures of Robin Hood (1938), o filme que definiu a iconografia do personagem. Errol Flynn, de colante verde e sorriso insolente, encarnou o herói em sua forma mais pura: galante, destemido, quase musical. Com Olivia de Havilland como Marian e Basil Rathbone como o vilão, o filme fixou para sempre a imagem do arqueiro saltando entre árvores, defendendo os pobres e conquistando corações. Mais que um clássico, é o ponto de partida visual e moral de todas as versões posteriores — o Robin idealista, mais lenda que homem.

Nos anos 1950, The Adventures of Robin Hood voltou à televisão britânica como série semanal, com Richard Greene no papel principal. Produzida para um público que ainda vivia as consequências da Segunda Guerra, essa versão transformou o herói em símbolo de resistência moral, com histórias episódicas sobre honra e justiça. Era uma era de heróis claros, vilões nítidos e valores absolutos — um Robin para o pós-guerra, onde esperança era sinônimo de estabilidade.

Mas nos anos 1990, a lenda precisou de espetáculo. Robin Hood: Prince of Thieves (1991), com Kevin Costner, transformou o fora da lei em astro de ação hollywoodiano, com fotografia épica e uma trilha sonora imortalizada por Bryan Adams. O filme é um exagero delicioso — repleto de explosões, floreios e um vilão inesquecível na pele de Alan Rickman. Seu maior legado foi tentar tornar Robin Hood um blockbuster global, exportável, heroico. Ao lado do épico, veio a diversidade: o personagem de Morgan Freeman, Azeem, trouxe uma camada inédita de multiculturalismo e amizade inter-racial à lenda.

Duas décadas depois, Ridley Scott decidiu limpar os excessos e devolver o mito à terra. Seu Robin Hood (2010), estrelado por Russell Crowe e Cate Blanchett, é um drama histórico que se passa antes do herói virar herói — um prelúdio sombrio sobre guerra, poder e nacionalismo. Com estética realista e espírito político, é uma das adaptações mais próximas do que a série da MGM+ promete ser: um Robin nascido do trauma, moldado pela injustiça e movido pela ideia de reconstruir um país.

Em contraste, o Robin Hood (2018) com Taron Egerton tentou reinventar o mito em chave pop. A intenção era boa — aproximar o personagem de uma nova geração —, mas o resultado se perdeu em armaduras estilizadas, ritmo frenético e narrativa confusa. Em vez de símbolo de rebeldia, Egerton virou quase um vigilante futurista: um Robin Hood pós-moderno que queria falar de desigualdade, mas se afogou em CGI. Ainda assim, sua existência mostra o quanto o mito segue pulsando: mesmo nas falhas, ele reflete o desejo de recontar a história da resistência sob novas formas.

Não deixa de ser irônico que, para muitos 50+, seja uma raposa quem melhor represente o fora-da-lei. Sim, no meio de tantas versões sérias e sombrias, vale lembrar que o Robin Hood mais adorado por gerações foi o da animação da Disney (1973): uma raposa carismática, espirituosa e cheia de humor. Essa versão leve e afetiva marcou a infância de milhões de pessoas e provou que a moral da história — justiça e generosidade — sobrevive mesmo quando é contada com bichos falantes.

Cada um desses Robin Hoods traduz o espírito de seu tempo. Errol Flynn representava o idealismo do entre-guerras; Kevin Costner, o heroísmo globalizado da virada dos anos 1990; Russell Crowe, o cansaço moral do novo milênio; Taron Egerton, a tentativa de atualizar o mito para uma era de super-heróis; e a animação da Disney, o consolo de que o bem ainda podia ser simples.

Agora, com a série da MGM+ (2025), o ciclo se renova. A produção de John Glenn e Jonathan English declara inspiração direta em Batman Begins e Peaky Blinders, mas com outra ambição: devolver humanidade ao herói, mergulhar nas feridas da Inglaterra pós-invasão normanda e mostrar o que significa resistir quando tudo foi tomado. Jack Patten interpreta Rob como um homem ferido, não um ícone infalível. Ao seu redor, mulheres como Eleanor da Aquitânia (Connie Nielsen), Maid Marian (Lauren McQueen) e Priscilla (Lydia Peckham) ganham protagonismo e voz política — algo que nenhuma versão anterior ousou fazer plenamente.

Não deixa de ser curiosa uma tradição involuntária: a nova versão da MGM+ mantém viva a presença de australianos no papel do lendário fora-da-lei. O primeiro e mais emblemático foi Errol Flynn; depois veio Russell Crowe; e agora, Jack Patten, unindo passado e presente numa linhagem que comprova que, de alguma forma, Robin Hood sempre teve um toque australiano.

Se Errol Flynn criou o mito, Russell Crowe o desconstruiu e Taron Egerton o estilizou, agora Jack Patten tenta ressignificá-lo — não como lenda, mas como espelho. Um Robin Hood realista, radical, humano. Um herói que compreende que roubar dos ricos talvez nunca tenha sido sobre ouro, mas sobre dignidade.

E é aí que o ciclo se completa: de arco e flecha à política de sobrevivência, de Sherwood a Westminster, Robin Hood continua a existir porque continua necessário.


Descubra mais sobre

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Deixe um comentário