Entre os muitos personagens que compõem o mosaico de Stranger Things, poucos são realmente “centrais” — e talvez esse seja o segredo do seu sucesso. É uma série de ensemble, ou seja, de conjunto: cada figura carrega uma parte da história e do coração da narrativa. Mas se Vecna é o grande vilão, Eleven a heroína messiânica, então Will Byers é, sem dúvida, o mocinho trágico — o garoto cuja dor, sensibilidade e silêncio movem tudo que acontece.

A trama de Stranger Things começa com o desaparecimento de Will, e é a partir dele que o público e os personagens mergulham num abismo de revelações: experimentos secretos do governo, portais dimensionais, manipulação de mentes e horrores biológicos saídos de um laboratório militar.
A busca de uma mãe desesperada por seu filho acaba expondo um sistema de mentiras e abusos, onde crianças são usadas como cobaias e onde o sobrenatural nasce, literalmente, da ciência fora de controle.
Por isso, ainda que Will pareça estar “fora de cena” durante boa parte da série, é por causa dele que tudo existe. Sua ausência movimenta o enredo; sua sobrevivência dá sentido à jornada; e sua ligação invisível com o Mundo Invertido conecta cada temporada, como um fio espiritual costurando Hawkins ao horror. Will é o coração silencioso da série — o personagem que carrega o trauma, a inocência perdida e a humanidade que o resto do elenco, aos poucos, vai sacrificando para lutar contra o mal.
Tudo começa com uma bicicleta cortando a noite e um garoto voltando para casa. Will Byers é um menino doce, imaginativo, o tipo que prefere desenhar monstros e jogar Dungeons & Dragons a disputar atenções. Vive em Hawkins, uma pequena cidade americana cercada de florestas, onde a normalidade parece eterna — até que uma noite o monstro sai da sombra.

O que acontece a seguir muda tudo: o Demogorgon o arrasta para uma dimensão paralela, o Mundo Invertido, uma versão apodrecida da realidade. Enquanto a mãe, Joyce, enlouquece tentando encontrá-lo, Will tenta sobreviver. Ele está vivo, consciente, e se comunica através de luzes piscando — uma das imagens mais icônicas da série. A cada piscar, a cada lampejo de esperança, o público entende que há um elo entre mãe e filho que nem o sobrenatural pode romper.
Joyce e o chefe Jim Hopper descobrem o portal aberto pelo Laboratório de Hawkins e, quando finalmente o encontram, Will está preso a uma parede orgânica, com uma criatura alojada dentro de seu corpo. Hopper arranca o tubo, aplica RCP, e o garoto volta a respirar. Mas algo veio junto dele. Nos momentos finais da primeira temporada, Will vomita uma larva e tem uma visão do outro lado. O pesadelo não terminou — apenas mudou de forma.
Na segunda temporada, Will se torna o elo vivo entre o nosso mundo e o Outro. Ele passa a ter visões, sente o frio, ouve vozes, e é lentamente possuído pelo Monstro das Sombras, uma entidade que o usa para enxergar e manipular Hawkins. O que parece exorcismo no final é só o começo: a presença do inimigo nunca o deixa completamente.
Quando os portais se fecham, Will tenta recomeçar. Mas o tempo, para ele, não voltou a andar. Enquanto os amigos crescem, se apaixonam e entram na adolescência, Will permanece de algum modo preso à infância. Ele quer jogar Dungeons & Dragons, reconstruir o que era simples, mas todos já estão em outro ritmo. É nesse contraste — entre quem amadureceu e quem ficou parado — que se esconde o primeiro trauma invisível da série. O menino que sobreviveu ao horror agora precisa aprender a sobreviver ao esquecimento.

A cena em que ele destrói sua cabana de infância, o “Castle Byers”, é uma das mais tristes de Stranger Things: ele literalmente desmonta o refúgio da imaginação, o último abrigo de quem não foi compreendido. Will é o personagem que o tempo arrastou para fora do seu lugar — alguém que foi arrancado da infância, mas não conseguiu encontrar espaço na adolescência.
Quando a família se muda para a Califórnia, o isolamento se acentua. Will é tímido, retraído, um garoto em silêncio permanente. Ao redor dele, todos tentam seguir em frente — inclusive Eleven, que agora é sua irmã adotiva. E então chega Mike. O reencontro é desconfortável: Will quer falar, quer ser visto, mas Mike está concentrado em Eleven. Há olhares, pausas, gestos que dizem o que as palavras não ousam. Aos poucos, o público percebe o que ele talvez nem consiga admitir em voz alta: Will está apaixonado por Mike.
O amor de Will é silencioso, puro, sem expectativa de retorno. A série nunca o trata como piada nem como escândalo; é simplesmente dor. No carro, quando Will diz a Mike que “às vezes, quando você é diferente, parece que é um erro”, ele está falando de si. A conversa é uma confissão disfarçada: Will está tentando consolar o amigo enquanto descreve o próprio sentimento.
Jonathan, o irmão, o observa pelo retrovisor e entende. Mike, não. E é isso que torna tudo tão humano.
Enquanto vive esse turbilhão íntimo, o elo sobrenatural retorna. Will ainda sente o frio quando o mal se aproxima. Quando Vecna — o verdadeiro arquiteto do Mundo Invertido — desperta, ele percebe antes de todos. A ligação entre eles nunca foi rompida. Agora sabemos que o ser que o dominou antes era apenas uma extensão de Vecna. O menino perdido na floresta estava, desde o início, sob o olhar do mesmo inimigo.

Quando o grupo se reúne de novo em Hawkins, após a batalha contra Vecna, Will toca a nuca e sente o arrepio. O monstro ainda está lá — mas também está ele, mais forte, mais consciente. O garoto que foi sequestrado pelo medo agora entende o que significa ser diferente. Ele não é só vítima, nem apenas um sensor de perigo: é o coração da série.
Os criadores já confirmaram que a última temporada trará Will de volta ao centro da história. E faz sentido. Stranger Things começou com ele desaparecendo; precisa terminar com ele se encontrando. Will Byers é o espelho da série toda — o personagem que vive entre mundos, entre idades, entre identidades. Representa o trauma, a solidão e a coragem de ser sensível num universo que valoriza o poder e a força. É o menino que não precisou se tornar herói para ser essencial.
No fim, Stranger Things é, em parte, sobre monstros, portais e demônios — mas, acima de tudo, sobre pessoas tentando se entender. E ninguém encarna isso melhor do que Will: o garoto que sobreviveu ao impossível e ainda acredita na amizade, mesmo quando o amor não é correspondido; o menino que ouve o eco dos dois mundos dentro de si e aprende a conviver com o ruído.
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