A Volta de “A Feiticeira”: o Maior Feitiço Será Atualizar o Machismo da Série Original

A sitcom A Feiticeira foi um dos maiores sucessos da televisão entre 1964 e 1972. Como já comentei no ano passado, Samantha Stephens (Elizabeth Montgomery) parecia uma típica dona de casa americana dos anos 1960 — doce, sorridente e dedicada ao lar — exceto por um pequeno detalhe: ela era uma feiticeira. E, com isso, cutucava com bom humor praticamente todos os conceitos machistas do seu tempo.

O encanto de Bewitched estava em sua ironia. Samantha podia literalmente fazer o impossível — mover objetos, resolver problemas e mudar destinos com um simples torcer de nariz —, mas era constantemente repreendida pelo marido mortal, Darrin, que lhe proibia de usar seus poderes. Era essa proibição o “motor” da série: a bruxa poderosa que tentava, em vão, ser submissa. Só que, paradoxalmente, tudo só dava certo quando ela desobedecia.

A graça estava em vê-la driblar o machismo com delicadeza e inteligência, algo que o público da época absorvia sem perceber o quanto aquela “mulher perfeita” também era uma forma de resistência. Hoje, esse mesmo ponto é o grande desafio de qualquer reboot: como recriar uma personagem cuja força era apresentada como erro?

O Desafio do Século 21

Vinte e um anos depois da mal-sucedida tentativa de adaptação cinematográfica com Nicole Kidman e Will Ferrell, Bewitched finalmente caminha para um verdadeiro renascimento. A Sony e a Fox estão desenvolvendo uma nova versão sob o comando de Judalina Neira, roteirista e produtora de The Boys e Daisy Jones & The Six.

Descrita como uma “reimaginação irreverente” e agora com episódios de uma hora, a série promete equilibrar drama e comédia, com um olhar mais contemporâneo sobre o amor, a diferença e o poder feminino. Neira, que vem de um universo de narrativas ousadas e críticas, tem o voto de confiança de que poderá “salvar” Samantha — ou melhor, libertá-la de vez da redoma doméstica onde ela foi colocada por Darrin e pela sociedade dos anos 1960.

Mas não será simples. O “feitiço” de A Feiticeira era justamente o de uma mulher que fingia não ter poder. No século 21, com personagens femininas que já nasceram independentes, Samantha precisará de uma atualização de propósito: não mais a bruxa que se cala para agradar, e sim a mulher que escolhe quando e como usar sua magia — e por quê.

Entre Nora Ephron e Judalina Neira

O filme de Nora Ephron, lançado em 2005, tentou justamente resolver esse dilema transformando o “conflito externo” de Samantha em um desafio interno. Nicole Kidman interpretava uma bruxa que queria viver como humana, e o humor vinha de sua tentativa de esconder seu poder. A ideia era boa — mas a execução tropeçou. Faltou química com Will Ferrell e, principalmente, faltou leveza. Kidman, elegante e contida, não alcançou o timing cômico e a irreverência que Montgomery dominava com um simples levantar de sobrancelhas.

Agora, Judalina Neira parece determinada a ir além. O novo Bewitched será mais dramático e emocional, comparado a Bel-Air, o reboot de Um Maluco no Pedaço que transformou a comédia em uma narrativa de autodescoberta e pertencimento. O projeto também inclui uma série animada focada em Tabitha, a filha pré-adolescente de Samantha — o que indica que a nova geração de feiticeiras vem aí.

A Magia Persiste

Cinco décadas depois, Bewitched continua sendo um espelho das mulheres de seu tempo. Nos anos 1960, falava de adaptação; nos 2000, de identidade; e agora, talvez, fale de poder — não o mágico, mas o pessoal.

Elizabeth Montgomery ainda parece insuperável, e talvez esse seja o verdadeiro feitiço que Judalina Neira terá de quebrar. Mas, se alguém pode reinventar Samantha Stephens para o século 21, é uma mulher que já mostrou saber lidar com mundos caóticos, violentos e cheios de segundas intenções — como o de The Boys.

O desafio não é apenas atualizar uma comédia clássica. É transformar uma bruxa que se escondia em uma mulher que não precisa mais pedir permissão para existir.


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