30 Anos de ‘Bedtime Stories’: A Evolução da Madonna

Na época de Erotica, eu já me via constantemente tendo que me justificar para os amigos que desdenhavam: “você ainda ouve Madonna?”. A resposta, sempre, foi sim. Minha irmã costuma elogiar a minha fidelidade aos artistas que me agradam, e, como boa taurina, quando amo, é pra vida. Há uma diferença clara entre os artistas de quem “gosto muito” e os que “amo”. Madonna, naturalmente, está nesse patamar, especialmente pelo que ainda representa 40 anos depois. Não preciso me desculpar por isso.

Erotica foi um álbum que soava “sujo” para mim. Não por seu conteúdo explicitamente sexual, mas porque se distanciava do pop pasteurizado e seguro dos discos anteriores. Era um som cru, desconfortável, provocador. Dois anos depois, Bedtime Stories surgiu como um contraste quase hipnótico: doce, suave, etéreo, e, por isso mesmo, difícil de encaixar nas minhas cassetes, nos meus CDs gravados (na era pré-playlist). Quando revisito o acervo da Madonna, ainda tenho dificuldade de encontrar outras faixas que “conversem” com ele. Mas isso nunca quis dizer que não gostava do álbum — apenas que aqui está sua diferença.

E essa diferença é justamente o que o torna tão fascinante.

A transição silenciosa

Lançado em 1994, Bedtime Stories foi o álbum da “suavização estratégica”. Após o escândalo de Erotica, o livro Sex e o filme Body of Evidence, Madonna estava sendo tratada como persona non grata pela imprensa. A misoginia cultural da época exigia que ela “se desculpasse” e ela respondeu com um disco que parecia pedir perdão, mas na verdade estava devolvendo poder em outra frequência.

Com produção de nomes como Babyface, Dallas Austin, Nellee Hooper e Björk, o álbum mergulhou no R&B contemporâneo, no soul e no trip hop, antecipando o que anos depois seria o som dominante da virada do milênio. Secret, Take a Bow, Human Nature e Bedtime Story formam um mosaico de delicadeza e controle. Uma Madonna sem precisar gritar para ser ouvida.

Na época, a crítica reagiu de forma morna. Diziam que ela estava “se domesticando”, “jogando seguro”. Mas o tempo mostrou que Bedtime Stories era, na verdade, um reflexo de maturidade. Era o álbum de quem aprendeu a provocar de forma sutil, não mais com o corpo, mas com a introspecção.

O álbum que cresceu com o tempo

Três décadas depois, Bedtime Stories é reconhecido como um dos trabalhos mais elegantes e visionários da carreira de Madonna. A fusão de R&B, soul e ambient pop que parecia deslocada em 1994 hoje soa como uma premonição da Madonna eletrônica e espiritual de Ray of Light.

“Human Nature” se tornou um hino feminista com o refrão “I’m not sorry, it’s human nature”, ironizando o moralismo que a tentava silenciar. “Take a Bow”, por sua vez, é um dos momentos mais delicados e cinematográficos de sua discografia — um adeus sussurrado a um amor (ou talvez a uma era). E o video dele foi o “teste” para que ganhasse o sonhado papel de Eva Perón no filme do musical Evita.

Madonna, mais uma vez, esteve à frente do seu tempo. Só precisávamos amadurecer para acompanhar.

Björk, a musa improvável

Um dos elementos mais fascinantes de Bedtime Stories é a presença de Björk, que na época ainda era uma artista islandesa em ascensão, conhecida por sua experimentação e pela fusão entre o orgânico e o eletrônico. Madonna, já no auge, teve a humildade e a curiosidade de buscar nela inspiração, e de admitir publicamente, anos depois, que Björk a influenciou criativamente nesse projeto.

A canção Bedtime Story, escrita por Björk, é uma viagem onírica que se afasta das narrativas de amor e culpa para explorar o inconsciente, o sonho, a linguagem e o poder do som como fuga. É o ponto mais ousado do álbum, quase uma premonição de Ray of Light e do mergulho espiritual que viria com William Orbit.

A volta aos sonhos

Agora, em 2025, Madonna celebra os 30 anos de Bedtime Stories com o lançamento do EP Bedtime Stories: The Untold Chapter, previsto para 28 de novembro. O projeto traz demos, versões alternativas e faixas inéditas das sessões originais — uma espécie de janela para dentro daquele universo azul-acinzentado de suavidade e controle.

É um lançamento que dialoga com a efeméride de outro marco: os 20 anos de Confessions on a Dance Floor, o disco que representou o retorno da euforia, da pista de dança, do espelho iluminado. Entre o êxtase e a introspecção, Madonna percorre de novo suas próprias camadas — a carne e o espírito, o som e o silêncio.

Trinta anos depois, ela revisita o passado não para repetir, mas para recontar com a sabedoria de quem sobreviveu, transformou e inspirou gerações. Se Confessions é a catarse da pista, Bedtime Stories é o sonho que a antecede — aquele momento de olhos fechados em que a artista, antes de se reinventar, aprende a escutar a si mesma.


Descubra mais sobre

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Deixe um comentário