Era uma despedida que os fãs sabiam ser inevitável, mas que soa como acordes finais de uma música que a gente não queria que terminasse. A aposentadoria de David Coverdale é uma dessas. O vocalista que nos ensinou que a sensualidade e a força podiam coexistir num mesmo timbre, que fez multidões erguerem os braços em coro nos anos 1980, e que deu alma a uma geração inteira de roqueiros, anunciou oficialmente que vai pendurar os sapatos de plataforma.
Nascido em Saltburn-by-the-Sea, Inglaterra, em 1951, Coverdale é um dos grandes frontmen do rock britânico. Sua voz profunda e presença magnética o levaram a assumir o microfone do Deep Purple em 1973, ao lado de Ritchie Blackmore e Jon Lord. Com ele, a banda viveu uma nova fase, Burn e Stormbringer ainda soam como hinos poderosos, até o fim daquela formação em 1976.
Mas foi ao fundar o Whitesnake, em 1978, que Coverdale criou seu império pessoal. Inicialmente mais blues-rock, o som evoluiu até se transformar em puro hard rock e glamour. Nos anos 1980, a banda explodiu com o álbum 1987 — ou simplesmente Whitesnake, nos Estados Unidos e dele as versões atualizadas de canções de álbuns anteriores viraram clássicos eternos como Here I Go Again, Is This Love e Still of the Night. Aquelas guitarras, aquele cabelo, aquele clipe. Excessivo, cafona. Foi uma época em que o rock era puro espetáculo, e Coverdale era seu maestro.

Eu estava lá quando o Whitesnake tocou pela primeira vez no Rock in Rio de 1985. Chuva, lama, e uma energia que não se explica, só se vive. Substituindo o Def Leppard de última hora, o Whitesnake fez história naquela noite. A performance incendiou a Cidade do Rock e marcou uma geração que, como eu, jamais esqueceu o rugido daquele vocal e a força de uma banda que parecia maior que a tempestade.
O Whitesnake voltaria várias vezes ao Brasil, eu vi de novo, em palcos diferentes, sempre com aquela mesma chama. Cada show parecia uma celebração de algo que começou lá atrás, embaixo de chuva, quando o rock ainda soava como promessa de liberdade.
Agora, aos 74 anos, Coverdale reconhece que é hora de parar. “Depois de 50 anos de uma jornada incrível… é tempo de pendurar meus sapatos de plataforma e meu jeans apertado”, disse ele, com seu humor intacto, num vídeo aos fãs. “Cuidamos bem da peruca do leão, mas é hora de chamar isso de um dia.”

É um adeus que não chega com tristeza, mas com reverência. A saúde já o afastara dos palcos desde 2022, e a turnê de despedida ficou pelo caminho. Ainda assim, Coverdale seguiu revisitando o catálogo do Whitesnake, relançando álbuns, celebrando memórias, reafirmando seu legado.
A “aposentadoria” de David Coverdale é mais simbólica do que definitiva. É o fechamento de um ciclo épico de meio século em que ele foi, de fato, o leão do hard rock — dono de uma voz única, um charme inconfundível e uma presença que atravessou gerações.
Para quem o viu ao vivo, como eu, é impossível ouvir Here I Go Again sem sentir a vibração daquele público ensopado de 1985, quando o rock parecia eterno. E, de certa forma, é. Porque Coverdale pode descansar, mas o rugido do Whitesnake ecoa para sempre.
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