Mega sucesso, extremamente bem realizada e hoje uma das séries mais comentadas do país, Tremembé nasceu da adaptação do livro Tremembé: A Prisão dos Famosos, do jornalista Ulisses Campbell. A obra reconstrói o universo da penitenciária que se tornou símbolo máximo dos crimes de repercussão no Brasil, acompanhando as histórias — às vezes chocantes, às vezes banais — dos homens que chegam ali, suas redes de poder, seus pactos de sobrevivência e a longa sombra deixada pelos crimes que cometeram.
A série observa não só a mecânica interna da prisão, mas também o ecossistema social ao redor: famílias que se desintegram, advogados que disputam narrativas, jornalistas que tentam antecipar versões e, claro, o interesse quase voyeurístico de um país que transforma tragédias reais em mitologia contemporânea. Essa visão ampla, complexa e extremamente atrativa explica o fenômeno. Mas também o desconforto.

Em pleno auge do True Crime, quando documentários, séries e filmes lideram o consumo global, Tremembé reacende um debate inevitável: até onde podemos transformar tragédias reais em entretenimento sem ferir quem sobreviveu a elas?
Nas redes, o tom mudou. A discussão deixou de ser apenas sobre a direção impecável ou as interpretações afiadas e passou para algo mais profundo: estamos glamourizando assassinos e condenados? Estamos dando palco — e seguidores — para pessoas que destruíram vidas?
E o fato de alguns dos retratados, ou seus familiares, estarem hoje nas redes sociais ganhando visibilidade e monetização apenas torna a questão mais urgente. Quem lucra? Quem sofre?
O fenômeno ecoa diretamente a polêmica norte-americana em torno de Dahmer, quando famílias de vítimas denunciaram a dramatização como desrespeitosa e revitimizante. O ciclo se repete: a dor é pública; o lucro, privado. A exposição recai sobre as famílias, não sobre os produtores.
Nunca fui contrária a recontar histórias reais — pelo contrário. Mas há anos questiono o modo como plataformas tratam a chamada “liberdade artística”, frequentemente distorcendo fatos em benefício do drama. O caso de Ed Gein é, para mim, um dos exemplos mais incômodos: inserir uma relação sexual inexistente entre uma vítima e o assassino não ilumina nada, não aprofunda nada — apenas reescreve a dor de alguém que já não pode se defender.

A pergunta, então, não é se devemos revisitar tragédias. É como.
Como trazer nova perspectiva sem criar novos danos?
Como dramatizar sem inventar crueldades que nunca existiram?
Como respeitar quem viveu — e morreu — nessas histórias?
Talvez a resposta esteja na escuta ativa das vítimas, na responsabilidade ética dos criadores e na renúncia a “grandes twists” quando lidamos com vidas reais. A verdade, afinal, já carrega peso suficiente.
Tremembé abre um debate necessário. O Brasil consome histórias de crime com voracidade, mas talvez esteja na hora de nos perguntarmos, com honestidade, quem está ganhando com isso — e quem está pagando a conta.
Se a série nos fez pensar nisso, já cumpriu um papel essencial. E aliás, é sim uma das melhores séries brasileiras de 2025.
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