Diante de tantas séries de true crime, poucas conseguem manter os fatos em ordem, contextualizá-los e evitar julgamentos fáceis como Murdaugh: Death In The Family. Há tantas vidas devastadas — algumas perdidas de forma brutal — que seria simples retratar os Murdaughs como vilões unidimensionais. Mas a série nunca desrespeita as vítimas, mesmo quando uma delas, como Paul Murdaugh, foi também algoz. A empatia por quem morreu prevalece, assim como o respeito pelos sobreviventes que continuam pagando o preço, especialmente Buster.


Por isso, chegar ao episódio final exige reconhecer que a narrativa permanece ancorada nos fatos oficiais e só nos flashbacks — especificamente no último — a série se permite mostrar, sem filtros, o que de fato aconteceu. Tudo é tão amoral que, mesmo emprestando certa dignidade trágica ao colapso de Alex Murdaugh, a pergunta continua sem resposta: como ele conseguiu matar a esposa, o próprio filho e ainda acreditar que poderia escapar colocando a culpa em terceiros? Quando a derrocada chega, ela acontece rapidamente, sem melodrama. E o homem real se revela muito menos interessante do que a arquitetura de mentiras que sustentou por décadas.
O episódio já começa lembrando que Alex nunca fez grande esforço para esconder sua corrupção moral. No flashback de 2019, ele dá conselhos duvidosos ao filho Buster, ainda calouro de Direito: a única verdade que importa é “a que você consegue fazer os outros acreditarem”. Um mantra herdado de sua criação, marcada pelo privilégio e pela certeza de poder fazer “qualquer coisa”.
De volta ao presente, depois de meses de reabilitação, Alex mal cruza a porta da clínica e já é preso — não pelos assassinatos, mas pelo desvio do seguro da morte de Gloria. A sensação incômoda é inevitável: por esse crime ele seria pego, mas pelos assassinatos talvez tivesse escapado. Pelo menos por um tempo.


À medida que testemunhas, vítimas e conhecidos descrevem a teia de mentiras compulsivas de Alex, surgem as provas que desmontam definitivamente sua versão sobre a noite em que Paul e Maggie morreram. Quando o vídeo no telefone de Paul confirma que ele estava nos canis, o castelo cai. Os horários, o GPS, a velocidade do carro — tudo compõe uma narrativa quase matemática da culpa. A defesa insiste no amor da família, mas fatos são fatos.
Ainda assim, a arrogância de Alex prevalece. Ele garante que, se falar, muda tudo. Ele acredita no próprio mantra — manipulação como método — achando que ainda pode reverter o irreversível, mesmo tendo perdido completamente a conexão com a realidade.
No final, embora a série mencione a suspeita do envolvimento de Buster na morte de Stephen Smith em 2015, ela evita aprofundar esse crime ainda em investigação. O que faz é colocar Buster como mais uma vítima do universo dos Murdaughs: ele sente falta da mãe, do irmão e agora precisa lidar com um pai condenado a prisão perpétua por ter matado os dois.

Como olhar para o próprio pai? Ele tenta preservar as lembranças felizes: pescarias, festas, momentos de afeto. Mas as contradições acumuladas tornam impossível ignorar a verdade. E, ao final do julgamento, dilacerado, ele sabe que perdeu tudo. Só após a condenação vemos, pela primeira vez, a reconstituição clara do crime de Paul e Maggie, seguindo todos os dados da investigação.
Alex teria planejado tudo: pega as armas, usa o carrinho de golfe, encontra Maggie e Paul, mata o filho quando ele menos espera — chorando ao fazê-lo (um choro que, à luz de tudo, parece cálculo). Depois executa uma Maggie em pânico. A logística é quase inacreditável: pega o celular da esposa, o joga fora, troca de roupa, se livra das armas e ainda para para tomar sorvete com a mãe antes de voltar para “encontrar” os corpos. Ele fez tudo isso — e a série, com cuidado, nunca o transforma em monstro cinematográfico, embora os fatos falem por si. Alex sabia exatamente o que estava fazendo, passo a passo.

Resignado, Buster ainda tenta manter Alex como “pai”, enquanto o próprio Alex, atrás das grades, segue sem remorso: continua opinando sobre o futuro do filho, insistindo em controlar sua vida e, claro, pedindo dinheiro para o comissário. Ali, vemos o momento em que Buster desiste dele. Mas o trauma permanece — eterno. A casa da família é desfeita em um leilão; nada ali tem mais valor.
Na prisão, não há iluminação possível para Alex. Ele continua como sempre foi: enganador. Tenta manipular colegas de cela e repete, rindo, que “só é trapaça se você for pego”. Nem o fato de ter sido pego o obriga a refletir. Um homem que jamais considerou o significado da palavra consequência.
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