Dolly Parton: A Mulher Que Nunca Precisou de Milagre para Ser Mito

Dolly Parton é, talvez, uma das figuras mais completas do imaginário cultural americano e é justamente essa dualidade entre a menina pobre dos Apalaches e o ícone global que faz sua trajetória ressoar por tantas gerações. Nascida em 1946, quarta de doze filhos, Dolly cresceu num ambiente musical e profundamente marcado pela precariedade, algo que nunca escondeu. Pelo contrário: transformou sua origem em matéria-prima poética, em estilo visual, em narrativa de resistência. É nesse contraste — a cabana humilde e o brilho das lantejoulas — que sua identidade artística sempre encontrou força.

Com mais de 3.000 músicas compostas e dezenas de álbuns lançados, Dolly é um daqueles raros casos em que a palavra “lenda” não soa hiperbólica. De Jolene a I Will Always Love You — que reinventou o próprio significado ao ser reinterpretada por Whitney Houston — passando por 9 to 5, ela moldou a história da música norte-americana de maneira visceral. Também cruzou com desenvoltura do country para o pop, enfrentando, na época, críticas dos puristas que a acusaram de “se vender” para as massas. Só que Dolly sempre soube que sua essência estava na voz, na escrita e na inteligência artística, e não nas fronteiras de gênero musical. Hoje, essa transição é vista como pioneira.

Apesar da imagem impecável, sem grandes escândalos, Dolly enfrentou seus próprios baixos. Foi julgada por sua aparência, por suas escolhas cinematográficas, por não “caber” na feminilidade que esperavam dela. E, quando escreveu Travelin’ Thru para Transamerica, enfrentou críticas e até ameaças simplesmente por apoiar uma narrativa envolvendo pessoas trans — algo que, à sua maneira, ela sempre fez: estar onde a empatia pede, não onde a política exige.

Nos últimos meses, porém, o foco recaiu sobre algo que transcende a persona pública: sua saúde. A partir de setembro de 2025, Dolly adiou a residência que faria em Las Vegas, citando “desafios de saúde”, e, desde então, tem feito raras aparições presenciais. Ela precisou faltar a dois eventos importantes — sua indução ao Hall da Fama da International Association of Amusement Parks and Attractions e a cerimônia dos Governors Awards, onde receberia o Oscar honorário Jean Hersholt — enviando vídeos gravados de casa. Nos dois casos, apareceu elegante e bem-humorada, mas sem esconder a necessidade de desacelerar: “Estou lidando com alguns desafios de saúde”, disse, “e os médicos me pediram para pegar leve por um tempo”.

O momento exigiu ainda mais transparência quando um post da irmã Freida, dizendo ter passado a noite em oração por Dolly, gerou pânico na internet. A cantora reapareceu imediatamente nas redes, em full glam, afirmando que estava “ok” e que não havia “nada sério”, apenas uma série de exames, ajustes e pequenos procedimentos que havia deixado de lado desde a morte do marido, Carl Dean, em março. O luto, admitiu, a fez empurrar o autocuidado para depois, e o corpo, agora, está cobrando essa fatura. A solução é menos dramática do que os rumores sugeriam: ficar mais tempo em casa, próximo da equipe médica, e evitar agendas exaustivas.

A artista que já conquistou Grammys, honrarias de conjunto da obra, recordes de vendas e cuja filantropia com a Imagination Library mudou a vida de milhões de crianças, continua ativa e criativa mas calibrando o ritmo, pela primeira vez em muito tempo. Se há algo coerente em sua história é que Dolly nunca deixou que a vulnerabilidade diminuísse sua luz. Ao contrário: ela transforma cada momento difícil em mais um capítulo da mesma narrativa de força, humor e generosidade que a fez atravessar seis décadas de carreira. Mesmo agora, quando o corpo pede pausa, a voz continua firme. Ela só precisa de tempo. Nunca de despedidas.


Descubra mais sobre

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Deixe um comentário