All’s Fair é Renovada — e Prova, Mais Uma Vez, Que Críticos Não Cancelam Nada

Não é de hoje que críticos confundem a força de suas palavras com o destino de obras, artistas ou fatos. Às vezes se alinham, claro, mas mesmo antes de colocarmos a culpa em algoritmos — coitados, sempre os vilões perfeitos — os números já ditavam o que vemos, quanto vemos e onde vemos. No caso de All’s Fair, os haters de Kim Kardashian estavam genuinamente delirando com a enxurrada de comentários negativos, certos de que a série seria varrida para debaixo do tapete como um erro constrangedor. A dúvida permanecia: será que a série queria ser cafona e absurda, ou apenas errou o alvo?

Mas a ironia é deliciosa: tanta energia gasta para atacar a série só ajudou a inflá-la. All’s Fair virou aquele tipo de sucesso involuntário que ninguém queria admitir que estava vendo, mas todo mundo viu. E pronto — hoje veio a confirmação oficial. Segunda temporada garantida.

E não foi um “renovamos porque sim”. Foram os números que decidiram.

Os dados são implacáveis — e estão todos do lado de All’s Fair

Apesar de ser uma das séries pior avaliadas de todos os tempos (3% no Rotten Tomatoes, o que é quase uma performance artística), All’s Fair foi renovada pela Hulu após uma estreia com 3,2 milhões de views globais em três dias — tornando-se o maior lançamento de uma série roteirizada original da plataforma em três anos.

Foi também uma das 15 séries mais vistas nos EUA na semana de estreia, segundo a Luminate, acumulando 2.61 milhões de horas assistidas entre 31 de outubro e 6 de novembro. Na semana seguinte, com a estreia do episódio 4, subiu para 3.85 milhões de horas e 1.33 milhão de views — a quarta série mais vista no país naquele período, atrás apenas de All Her Fault, Death by Lightning e Pluribus.

E na terceira semana, já mais estabilizada, ainda marcou 636 mil views e permaneceu no Top 15.

Se isso não é indicador de fenômeno, não sei o que é.

Isso sem contar a força do elenco feminino (Kim Kardashian, Sarah Paulson, Glenn Close, Naomi Watts, Niecy Nash, Teyana Taylor e um desfile de participações especiais), o buzz orgânico provocado pelo “hate-watch” e o fato de Ryan Murphy ser especialista em transformar o exagero em método.

Murphy, aliás, contou que All’s Fair nasceu de um jantar arranjado por Dana Walden para apresentá-lo a Kris Jenner e Kim Kardashian. A ideia original? Um reality pitch — que Kris e Kim não gostaram. Dali, por esses acasos hollywoodianos, surgiu a dobradinha em American Horror Story e, depois, a criação da série.

E o resto é história — ou pelo menos, renovação.

Sobre “hate-watch”: eu nem posso dizer que estou nessa categoria

Diante do volume de lixo televisivo que vejo por obrigação profissional (ou puro masoquismo), seria injusto colocar All’s Fair nesse saco. Não vejo na série a pretensão de reinventar o drama, de mudar o mundo, de elevar o gênero ou mesmo de irritar o espectador. All’s Fair sabe exatamente o que é: um veículo absurdo, autoconsciente, apaixonado por sua própria fonte e sem qualquer vergonha de ser superficial, camp, exagerado e deliciosamente incoerente.

E eu gosto disso.

Gosto porque, em meio a tantas produções carregadas de pretensão intelectual, artística ou sociológica, existe algo profundamente honesto em uma série que abraça seu melodrama sem rodeios. Ela não promete profundidade — mas entrega entretenimento, caos, figurinos questionáveis e Sarah Paulson mastigando o cenário com um brilho nos olhos que só melhora semana após semana.

Se isso é um crime televisivo, que atirem a primeira pedra.

Mas a renovação traz um problema: o mundo de All’s Fair não sabe fechar suas próprias portas

E aqui está a ironia final.

Justamente porque foi renovada, All’s Fair provavelmente não vai fechar algumas questões “importantes” da própria narrativa — pelo simples fato de que não precisa. A série existe num espaço onde coerência é relativa, onde personagens somem, ressurgem e se contradizem com a mesma facilidade com que trocam de peruca, e onde perguntas fundamentais (“O que Chase realmente quer?”, “O que acontece com Milan?”, “Quem matou Lloyd Walton?”) podem ficar eternamente suspensas, como se fossem parte da estética.

E talvez sejam.

A segunda temporada, confirmada para começar a ser produzida na primavera de 2026, nasce desse caldo de caos, polêmica, audiência e um certo prazer culposo coletivo. Os críticos podem continuar odiando. Os fãs podem continuar fingindo que não veem. E eu? Continuo assistindo, porque raramente vemos uma série tão honesta em sua superficialidade — e tão acidentalmente fascinante.

No fim das contas, All’s Fair venceu.
Não pela qualidade, não pela crítica, mas pelo fenômeno irresistível que se forma quando o escárnio encontra a curiosidade — e os números agradecem.


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