Por mais de dois séculos e contando, a genialidade de Wolfgang Amadeus Mozart continua incontestável, luminosa, vibrante, quase insolente na forma como atravessa gerações. Já sua suposta rivalidade com Antonio Salieri, um compositor igualmente respeitado em seu tempo, mas muito menos celebrado pela posteridade, permanece entre as grandes controvérsias culturais. É um mito tão forte que praticamente eclipsou a própria obra de Salieri. E é claro que ajudou muito o fato de o próprio ter, em algum momento, insinuado participação na morte prematura de Mozart, uma declaração da qual passou o resto da vida tentando escapar.

O século 20 abraçou essa lenda com entusiasmo. A peça Amadeus tornou-se um sucesso estrondoso, o filme de Miloš Forman ganhou o Oscar e se tornou referência obrigatória: uma narrativa irresistível para quem gosta de drama, ciúmes, genialidade e destruição. Mozart, apresentado como um gênio infantil e explosivo, virou quase uma entidade pop; Salieri, o homem atormentado pela própria mediocridade, um antagonista trágico.

Agora, essa história renasce em um novo formato. A Sky acaba de divulgar o trailer completo da minissérie Amadeus, e é fascinante observar como essa reinterpretação atualiza o mito para o século 21. Will Sharpe assume o papel-título, trazendo um Mozart muito mais orgulhoso, ambicioso e vocal do que o menino-prodígio inconsequente do filme de 1984. Ele não hesita em confrontar Salieri, diminuindo suas partituras e exigindo aplausos de pé, uma postura quase rockstar, que não por acaso ecoa o modo como Mozart realmente circulou pela Viena do século 18.

Paul Bettany, por sua vez, encarna Salieri com a gravidade e a contenção que lhe são tão características. Se no filme Salieri era corroído por uma inveja silenciosa e profundamente religiosa, aqui parece que veremos essa obsessão ganhar contornos ainda mais explícitos, uma espécie de fé abalada pela luz insuportável do talento alheio.

A série é escrita por Joe Barton (Giri/Haji, Black Doves) e se apresenta como uma reimaginação direta da peça de Peter Shaffer, a mesma que deu origem ao filme. Barton promete expandir e questionar essa rivalidade tão mitificada, lembrando de forma transparente que boa parte da tensão entre os dois foi, sim, ficção construída para servir a uma boa história. Mas a força do mito é tão grande que continua valendo revisitá-lo.

O trailer reforça essa abordagem mais exuberante, quase insolente, da figura de Mozart. A Viena do século 18 ganha um brilho quase pop, e não é exagero dizer que o resultado parece ainda mais animado e provocativo do que o filme — uma releitura que abraça as cores e a energia desse gênio que, por séculos, insistiu em se recusar à normalidade.

A sinopse oficial confirma o foco: quando o jovem de 25 anos chega à Viena, sedento por liberdade criativa e carregando o peso de sua reputação, tudo muda quando ele se aproxima de Constanze Weber (Gabrielle Creevy) e do devoto compositor da corte, Antonio Salieri. O que começa como rivalidade profissional se transforma em obsessão pessoal, atravessando três décadas e culminando naquela icônica confissão de assassinato — uma das grandes invenções dramáticas do século passado.

O elenco de apoio inclui Rory Kinnear como o imperador Joseph, Lucy Cohu, Jonathan Aris, Ényì Okoronkwo e Jessica Alexander, entre outros nomes que reforçam o tom luxuoso da produção. A direção de episódios fica com Julian Farino e Alice Seabright, e a estreia está prevista para 21 de dezembro de 2025 no Reino Unido. Ainda não há data de lançamento nos Estados Unidos ou Brasil.

Se Amadeus sempre foi um drama sobre fé, talento, vaidade e destruição — os ingredientes perfeitos para qualquer obra-prima —, é intrigante ver como essa nova versão vai lidar com temas tão sensíveis à luz do mundo contemporâneo. E, sinceramente? Com Sharpe e Bettany como protagonistas, e um trailer que já chega com personalidade de sobra, eu não vou resistir: preciso ver como vão recontar essa guerra divina entre dois homens e um Deus (talvez) muito impaciente.