Tom Stoppard: O homem que transformou a inteligência em espetáculo

O ano de 2025 entra em suas últimas semanas e, para quem ama Cinema, Teatro e Música, foi um ano em que algumas grandes lendas nos deixaram. Em geral, são nomes cujos rostos temos associação imediata, mas, quando se trata de bastidores, muita gente ainda pergunta: quem? Lamentar o falecimento do dramaturgo Tom Stoppard entra exatamente nessa categoria.

O legado de Stoppard é muito maior do que seu filme mais famoso, pelo qual ganhou o Oscar, mas aqui vai, para situar: foi da mente dele que surgiu Shakespeare Apaixonado, um clássico do final dos anos 1990, uma comédia romântica imaginativa, divertida e surpreendentemente precisa. Stoppard veio do teatro, conhecia profundamente o bardo inglês e, nos anos 1980, já tinha ensaiado “reimaginá-lo” ao pescar duas personagens secundárias de Hamlet — Rosencrantz e Guildenstern — e criar uma peça sensacional, Rosencrantz and Guildenstern Are Dead, levada ao cinema com Gary Oldman e Tim Roth nos papéis principais.

Além disso, assinou o roteiro de filmes relevantes como Brazil, O Império do Sol, A Casa da Rússia, A Invenção de Hugo Cabret e Anna Karenina. Ele era mesmo incrível.

Mas Tom Stoppard não nasceu “Tom Stoppard”. Seu nome de batismo era Tomáš Straussler. Ele veio ao mundo em 1937, na então Tchecoslováquia, e ainda criança precisou fugir com a família da ocupação nazista. A rota da sobrevivência passou por Singapura, depois pela Índia — onde seu pai morreria durante a guerra, até finalmente chegar à Inglaterra. Foi ali que Tom adotou o sobrenome do padrasto, cresceu, se formou emocionalmente e, ironicamente, se tornaria um dos maiores símbolos da dramaturgia britânica do século 20.

Não foi um prodígio acadêmico. Longe disso. Aos 17 anos, virou repórter de jornal em Bristol. Escrevia sobre tudo, de polícia a cultura, enquanto se apaixonava pelo teatro como espectador voraz. Sem universidade, sem pedigree intelectual tradicional, ele construiu sua formação na prática, lendo compulsivamente, observando atores, frequentando plateias, errando, reescrevendo.

Tudo muda em 1966, quando estreia Rosencrantz and Guildenstern Are Dead. A peça, que olha para Hamlet a partir dos personagens esquecidos, faz do acaso, da morte e do livre-arbítrio uma comédia existencial de precisão cirúrgica. Dali em diante, Stoppard passa a ser visto como “o mais cerebral dos dramaturgos contemporâneos”. E esse rótulo o acompanharia por décadas — às vezes como elogio, às vezes como crítica.

Vieram então obras como Jumpers, Travesties, The Real Thing, Arcadia, Rock ’n’ Roll, a trilogia monumental The Coast of Utopia. Arcadia, em especial, virou uma espécie de síntese de tudo o que Stoppard sabia fazer: ciência, poesia, matemática, desejo, ironia, flerte e tragédia convivendo na mesma sala, em duas épocas diferentes, sem que nada soe artificial.

Por muito tempo, disseram que ele escrevia só para a cabeça. Que faltava coração. Stoppard ouviu isso durante anos. Mas algo muda a partir dos anos 1980. The Real Thing traz o amor para o centro de sua dramaturgia, sem abrir mão da inteligência. Mais tarde, ele mergulha com força na política, especialmente quando revisita a história da Tchecoslováquia, a repressão comunista, a Primavera de Praga, a música como forma de resistência. Para alguém que dizia não “queimar por causas”, ele acabou se tornando, na maturidade, um dos pensadores mais sofisticados sobre liberdade.

Nos anos 2000, já consagrado, Stoppard ainda surpreende ao escrever sua obra mais pessoal: Leopoldstadt. Nela, acompanha uma família judaica ao longo da primeira metade do século 20, na Europa Central. É impossível não enxergar ali sua própria história, seus silêncios, suas perdas, aquilo que ficou para trás quando a criança refugiada fugiu do continente. Aos 80 e poucos anos, ele finalmente permite que o passado o alcance com toda a força emocional.

No cinema, foi igualmente brilhante. Ganhou o Oscar por Shakespeare Apaixonado, mas sua assinatura está espalhada por projetos muito diferentes entre si: distopias, dramas de guerra, espionagem, adaptações literárias clássicas. Ele transitou com naturalidade entre o palco mais intelectualizado e o grande cinema comercial, sem nunca parecer deslocado em nenhum dos dois.

Stoppard morreu em 29 de novembro de 2025, aos 88 anos, em sua casa, na Inglaterra. Deixa quatro filhos, a esposa, e um conjunto de obras que continuam sendo encenadas, estudadas, discutidas e, principalmente, redescobertas por novas gerações.

Talvez o maior feito de Tom Stoppard tenha sido nos convencer — peça após peça, cena após cena, diálogo após diálogo — de que pensar também pode ser prazer. Que ideias podem emocionar. Que humor pode carregar filosofia. E que o palco, quando encontra a palavra certa, vira um dos lugares mais vivos do mundo.

Em um ano de tantas despedidas, a de Stoppard dói de um jeito específico: perdemos alguém que acreditava profundamente no poder da linguagem. E que, como poucos, soube transformá-la em espetáculo.


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