Emily in Paris – Temporada 5: quando o escapismo finalmente cobra seu preço

Há um paradoxo curioso em Emily in Paris: depois de cinco temporadas no ar, a série ainda funciona como se estivesse em seu eterno primeiro mês. Emily muda de cidade, de namorado, de cliente, de figurino, mas o tempo quase não deixa marcas. Dentro da lógica interna da narrativa, ela está em Paris há algo entre um ano e meio e, no máximo, dois anos. Ainda assim, tudo o que ficou para trás — o noivo da primeira temporada, a chefe americana grávida que motivou a mudança, o casamento que ela veio “organizar à distância”, qualquer vestígio de família ou saudade dos EUA, simplesmente evapora.

Não é descuido: é a regra da série. Pessoas entram e saem como campanhas; cidades funcionam como cenários intercambiáveis. O passado não pesa porque peso exige consequência, e Emily in Paris sempre foi uma fantasia sem lastro.

Há uma inegável divisão entre os que nunca apreciaram a produção de Darren Star; há os que amavam e cansaram; há os que detestaram a temporada com cara de final e, claro, os que amaram. Não encaixo em nenhum dos quadros porque não amei, mas não é possível desgostar de Emily Cooper.

Sim, a quinta temporada funciona melhor do que as anteriores justamente porque a série parece cansada de si mesma. Pela primeira vez, empurra conflitos para frente com charme, looks ou pitches milagrosos. Tem muita coisa que simplesmente dá errado e, num universo que sempre viveu de suspensão, isso soa quase radical.

Sim, tínhamos nos despedido de Emily em Roma e é lá que a reencontramos. A capital italiana surge cheia de promessas (e cenários estupendos), mas rapidamente se revela excesso. Emily tenta ser tudo ao mesmo tempo: chefe do escritório, gestora de uma marca familiar, namorada dedicada, profissional incansável. Pela primeira vez, isso não funciona. O colapso do projeto italiano não acontece por incompetência, mas por saturação. O escritório fecha, ela e todos perdem os clientes e, pela primeira vez, a série não conserta isso no episódio seguinte. Só deixa o fracasso como algo relativamente irrelevante, mas de novo, faz parte da fórmula, mas esse é o gesto mais importante da temporada: permitir que a perda exista sem correção imediata.

De volta a Paris, Emily in Paris entra num modo quase melancólico de acerto de contas. Emily e Mindy encaram fraturas reais. Sylvie, sempre soberana, enfrenta algo que nunca soube administrar: vulnerabilidade sem controle. O sucesso profissional vem acompanhado de colapso pessoal. E Gabriel, curiosamente ausente, passa a existir mais como silêncio do que como obstáculo.

É nesse ponto que surge a contribuição mais espirituosa — e talvez mais honesta — da temporada: a participação impagável de Minnie Driver. Sua princesa-influencer, herdeira por título e endividada por realidade, entende perfeitamente o jogo em que todos fingem não estar jogando. Ela sabe que status é performance, que dinheiro é narrativa e que, no fundo, tudo ali precisa render conteúdo. Minnie entra em cena como quem comenta a série de dentro, exagerando o tom, saboreando o absurdo e transformando o vazio em cafona. Por alguns momentos, parece que Emily in Paris vai rir de si mesma de verdade. Mas não vai longe demais, o produto ainda precisa funcionar. Ainda assim, Driver entrega algo raro ali: consciência.

SPOILER ALERT: o ponto de virada emocional acontece quando Emily se vê diante da possibilidade de um novo noivado. Seu pânico não é medo de amar, é medo de desaparecer dentro de uma vida que não escolheu. Marcello pertence a Solitano, à família, à continuidade. Emily pertence a Paris não como vitrine, mas como construção pessoal. O rompimento entre os dois não é fracasso afetivo, mas limite. Pela primeira vez, Emily não se dobra para sustentar um relacionamento.

Isso importa porque a temporada finalmente verbaliza algo que sempre esteve ali, mas nunca foi dito: a ambição de Emily nasce de uma lógica de amor condicional. Produzir, agradar, performar sempre foi sua forma de existir. Quando ela reconhece isso, o que antes parecia superficial ganha contorno.

Paris deixa de ser fantasia e passa a ser pertencimento. Emily já não se encanta com a cidade como cartão-postal; ela a entende. Fala a língua, conhece os códigos, sabe quando se adaptar e quando recuar. Escolher Paris deixa de ser fetiche europeu e passa a ser identidade construída. É um arco que a série vinha adiando desde o piloto.

Gabriel, por sua vez, encontra algo raro nesse universo: contenção. Ao partir para um novo desafio, e enviar um cartão-postal real — com selo, sem urgência — ele oferece possibilidade, não pressão. Não invade, não reivindica, não interrompe. O sorriso final no iate não promete retorno; oferece maturidade. Talvez por isso funcione.

Nada disso transforma Emily in Paris em uma série profunda. O capitalismo segue sendo seu idioma nativo. O product placement continua orgânico demais para ser ironizado de verdade. Pessoas ainda são oportunidades antes de serem pessoas. Mas a quinta temporada entende algo essencial: não há mais novidade possível sem reconhecimento.

Emily sabe quem é, onde pertence e o que não está disposta a sacrificar, nem por amor, nem por carreira, nem por narrativa. Isso dá à temporada um ar de encerramento antecipado. Se a série terminar na sexta, não soará abrupto. O que vem agora não é mais crescimento, é escolha.

Emily in Paris se ajusta nesses pequenos detalhes porque finalmente aceitou parar de fingir que ainda podia ser mais fantasia. E curiosamente, nunca perdeu o charme.


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