Namorado de Natal: por que a série norueguesa da Netflix se tornou um retrato raro do amor adulto

Como publicado em CLAUDIA

No Natal da Pandemia, fui surpreendida com um presente inesperado da Netflix: a série traduzida como Namorado de Natal a quem comparei como uma espécie de Bridget Jones norueguesa. Simples em sua proposta, doce em sua encenação e original na sua entrega, a série é uma pérola dentro de todo acervo natalino da plataforma e se, dentro das várias listas anuais do que ver e onde ver, você ainda estiver querendo algo que faça sentir feliz e esperançoso, maratonar todas as temporadas é a melhor opção para Festas.

Sim, há produções natalinas que funcionam como açúcar emocional: agradáveis, previsíveis, descartáveis, mas Namorado de Natal (Home for Christmas) nunca se propôs a esse lugar. Desde sua estreia, em 2019, a produção escolheu um caminho mais arriscado e mais honesto. Em vez de vender o amor como recompensa, decidiu observá-lo como processo. Em vez de prometer finais organizados, preferiu investigar o que sobra quando o romantismo não dá conta da vida real.

Criada como a primeira série original da Netflix produzida na Noruega, Namorado de Natal nasceu quase como um teste de linguagem dentro da estratégia de internacionalização da plataforma. Uma comédia romântica curta, episódica, ambientada no Natal, protagonizada por uma mulher comum, sem glamour artificial, sem traços excêntricos calculados para gerar empatia imediata. O que parecia modesto revelou-se certeiro: a série conquistou um público fiel, atravessou temporadas e se tornou um título recorrente de fim de ano, desses que não explodem em hype, mas permanecem.

A história gira em torno de Johanne, enfermeira, solteira, cercada por uma família afetuosa e excessivamente curiosa, que encara o Natal como um ritual de avaliação emocional. Na primeira temporada ela ainda está sofrendo pelo fim de um relacionamento, e, ao mentir para os parentes dizendo que tem um namorado (a prova de que estaria “bem”), Johanne cria para si mesma um prazo simbólico: 24 dias até o Natal para resolver algo que, na vida adulta, raramente se resolve com cronograma. Cada episódio funciona como um dia dessa contagem regressiva, e o que se vê não é uma busca romântica tradicional, mas um mapeamento delicado da ansiedade afetiva contemporânea.

O grande acerto da série está em compreender que o Natal não é apenas cenário, mas catalisador. É o período em que as perguntas se acumulam, os silêncios ficam mais altos e as comparações — com irmãos, primos, amigos, versões idealizadas de si mesma — se tornam inevitáveis. Namorado de Natal não transforma esse desconforto em piada fácil. Pelo contrário: observa com empatia o desgaste emocional de quem tenta corresponder a expectativas que já não fazem sentido, mas ainda pesam. Tampouco há grandes tramas para causar separações, às vezes o amor evolui para amizade, ou simplesmente, acaba. Poucas séries românticas se propõem a mostrar isso, distanciando o público alvo de algo que realmente estejam vivendo.

E essa abordagem só funciona porque Johanne é interpretada por Ida Elise Broch, uma atriz que traz para a série uma densidade rara dentro do gênero. Formada pela Academia Nacional de Artes Dramáticas de Oslo, Broch construiu carreira em produções norueguesas marcadas por realismo psicológico e economia de gestos. Em Johanne, ela evita qualquer tentativa de tornar a personagem “adorável”. O que vemos é uma mulher funcional, irônica, cansada, por vezes defensiva, alguém que aprendeu a sobreviver emocionalmente sem, necessariamente, se sentir protegida.

E si, a dose nórdica de sua atuação está lá com os silêncios que dizem tanto quanto os diálogos; as emoções nunca transbordam, mas se acumulam. Johanne não é uma heroína romântica à espera de redenção. É alguém tentando não endurecer.

A primeira temporada (inicialmente dividida em duas partes) organiza seu arco em torno da ilusão de que o amor depende apenas de escolha e timing. Os encontros, muitos deles frustrantes, revelam menos sobre os outros e mais sobre o estado emocional da protagonista. Quando Jonas surge como possibilidade concreta, o conflito não está em sua imperfeição, mas na dificuldade de Johanne em aceitar que o amor adulto raramente se apresenta como epifania. Ele é possível, imperfeito, cotidiano e, justamente por isso, exige mais coragem do que o idealizado.

Já a segunda temporada, que chega em 2025 a tempo de mais um Natal precisando de originalidade, marca uma virada decisiva no tom da série. Ao reencontrarmos Johanne, ela agora tem 35 anos, mais uma vez solteira no final do ano. Ela não está apaixonada, mas também não está paralisada ou sofrendo como a conhecemos na primeira. Agora ela se ocupa e trabalha mais. Assume um cargo de liderança. Ajuda os irmãos. Cuida do pai, cuja solidão se torna mais visível. Mantém a vida cheia para evitar o silêncio.

O dating continua, mas perdeu a aura de promessa. O que antes era expectativa agora é repetição. E é nesse ponto que Namorado de Natal se afasta definitivamente das comédias românticas tradicionais. A pergunta central já não é “com quem vou passar o Natal?”, mas algo muito mais incômodo: eu ainda acredito que o amor pode ser leve? Ou apenas possível? Ou apenas suportável?

A segunda temporada fala de luto emocional, de esgotamento afetivo e do risco silencioso de confundir autoproteção com isolamento. Johanne não está cínica, mas está cansada. E esse cansaço — tão reconhecível para mulheres adultas — nunca é tratado como falha de caráter. É tratado como consequência.

No desempenho dentro da Netflix, a série reflete exatamente essa proposta. Namorado de Natal nunca foi um fenômeno global estrondoso, mas figurou nos rankings semanais de diversos países europeus em suas estreias, apresentou excelente retenção de público e se consolidou como um título de catálogo recorrente, revisitado a cada dezembro. Seu impacto real está menos nos números públicos e mais nos desdobramentos: gerou remakes oficiais, ampliou o espaço para narrativas românticas adultas dentro da plataforma e ajudou a afastar a ideia de que séries nórdicas precisam ser, necessariamente, sombrias ou criminais.

Ao fim, Namorado de Natal permanece porque entende algo essencial: o Natal não cria emoções, apenas remove as distrações. Ele revela o que foi adiado ao longo do ano. Johanne não aprende a amar melhor, mas aprende a aceitar que amar, depois de certa idade, envolve risco, repetição e a coragem de não se fechar.

Talvez por isso a série seja tão duradoura. Ela não promete finais perfeitos. Promete algo mais raro: reconhecimento. E, para quem já passou da fase de acreditar em soluções fáceis, isso é o que torna uma história verdadeiramente romântica. A dica de conferir essa série é meu presente de Boas Festas pra você! Tenho certeza que vai concordar comigo.


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