Poucas personagens do balé clássico são tão imediatamente reconhecíveis quanto a Fada Açucarada. Antes mesmo do primeiro pas de bourrée, o público já sabe quem ela é e isso acontece, em grande parte, por causa da música, mas igualmente, o figurino. Mais do que roupa de cena, o traje da Fada funciona como síntese estética de cada época, cada escola e cada visão de mundo sobre o que é o balé.

Desde sua estreia em O Quebra-Nozes, em 1892, o figurino da Fada Açucarada passou por transformações que acompanham não apenas a evolução da dança, mas também as mudanças na forma como feminilidade, poder e fantasia são representados no palco.

A origem: autoridade etérea, não doçura infantil

Na montagem original do Mariinsky, a Fada não era excessivamente ornamentada. O tutu clássico, o corpete ajustado e os bordados delicados construíam uma figura mais régia do que infantil. A paleta clara — próximos de branco, rosa muito pálido e prata, reforçava a ideia de algo quase espiritual.

É importante lembrar: naquele momento, o balé ainda estava profundamente ligado à corte. A Fada Açucarada surge menos como “doce” e mais como governante de um reino simbólico, alguém que observa, conduz e recompensa.

O modelo canônico: Mariinsky e Bolshoi

Ao longo do século 20, especialmente com o Mariinsky (ex-Kirov) e o Bolshoi, o figurino da Fada se cristaliza no imaginário coletivo. É aqui que nascem os elementos que hoje reconhecemos instantaneamente: tule em camadas generosas, pedrarias visíveis mesmo da última fileira, tons de rosa, lilás e prata, além de coroas ou tiaras discretas.

No Mariinsky, o equilíbrio entre delicadeza e tradição imperial permanece. No Bolshoi, tudo é amplificado. O figurino acompanha a estética da companhia: grande, impactante, afirmativo. A Fada não apenas reina — ela domina o palco.

A virada Balanchine: menos sobre a roupa, mais sobre a música

Quando George Balanchine monta O Quebra-Nozes para o New York City Ballet, em 1954, o figurino da Fada Açucarada passa por uma revolução silenciosa. Sai o excesso, entra o essencial.

O tutu é mais curto, mais leve, quase austero. As cores são claras, mas sem brilho ostensivo. O corpo da bailarina se torna parte da partitura visual. Aqui, o figurino não compete com a coreografia, ele a revela.

Essa versão redefine a Fada como entidade musical. Ela deixa de ser ornamento e passa a ser estrutura.

Elegância europeia: Royal Ballet e Opéra de Paris

No Royal Ballet, a Fada ganha maturidade emocional. O figurino é refinado, contido, com tecidos de qualidade impecável e brilho calculado. Não há exagero: há intenção.

Já na Ópera de Paris, o figurino se aproxima da alta-costura. Linhas limpas, paleta sofisticada, sensação de modernidade mesmo dentro do clássico. É uma Fada menos literal, mais conceitual — quase intelectualizada.

As releituras contemporâneas: menos rosa, mais símbolo

Nas últimas décadas, muitas produções abandonaram o rosa óbvio. Azuis, pratas, tons champagne e até transparências surgem para redefinir a personagem. O figurino deixa de ilustrar o “doce” e passa a sugerir o místico, o abstrato, o atemporal.

Essas versões dialogam com um público que já conhece a história e busca novas camadas de leitura.

Então, qual é o figurino mais icônico?

O mais icônico — no sentido histórico, coletivo e simbólico — é o modelo tradicional russo, consolidado pelo Mariinsky e amplificado pelo Bolshoi.

Não porque seja o mais bonito (isso varia), nem o mais sofisticado tecnicamente, mas porque ele se tornou a imagem mental imediata da Fada Açucarada. É esse figurino que aparece em livros, caixas de música, ilustrações, vitrines de Natal e memórias afetivas.

Balanchine pode ter revolucionado. Paris pode ter refinado. As releituras podem ter atualizado.
Mas é o tutu clássico, rosado, bordado e luminoso que permanece como ícone absoluto.

Talvez porque, no fundo, O Quebra-Nozes seja isso: tradição em movimento. E a Fada Açucarada, vestida de tule e música, continua sendo o seu rosto mais duradouro.