Ainda é difícil sair do estado de choque. Demorei a conseguir associar não apenas o fato de que Rob Reiner morreu no domingo passado, dia 14, ao lado de sua mulher, Michele, mas sobretudo a brutalidade com que suas vidas chegaram ao fim: pelas mãos do próprio filho, Nick.
Uma semana depois, o impacto inicial começa, aos poucos, a dar lugar a um entendimento mais estruturado — ainda que profundamente incompleto — do que aconteceu. Não houve reviravoltas espetaculares nem revelações capazes de alterar o rumo da investigação. O que existe é um avanço lento, protocolar, típico de casos que caminham para se tornar longos, delicados e juridicamente complexos.

A confirmação oficial do duplo homicídio e a manutenção de Nick Reiner como único suspeito seguem sendo os pilares centrais do caso. Preso sem direito a fiança, ele aguarda a audiência de acusação enquanto informações sobre seu estado mental nas semanas anteriores ao crime ganham espaço na imprensa americana. Relatos de mudanças recentes de medicação e de comportamento instável passaram a circular com mais consistência, não como novidade investigativa, mas como prenúncio da estratégia que a defesa deve adotar daqui em diante.
Nesse contexto, a casa em Brentwood tornou-se um elemento simbólico incontornável. Mais do que uma mansão de celebridade, trata-se de um imóvel carregado de história, não apenas da Hollywood clássica, mas da própria trajetória de Reiner. Construída em 1936, a residência pertenceu inicialmente a Henry Fonda, que viveu ali nos anos 1940, quando Jane Fonda e Peter Fonda ainda eram crianças. Foi Henry quem plantou o jardim que até hoje define a identidade da propriedade: árvores e canteiros cultivados no pós-guerra, em um momento de reconstrução pessoal e emocional, após a dissolução de seu casamento e em meio às exigências de uma Hollywood ainda rígida, masculina e pouco afeita à vulnerabilidade.
Depois de Fonda, a casa passou por poucas mãos até ser adquirida, em 1972, por Norman Lear. Criador de All in the Family, série que lançou Reiner ao grande público no papel de Mike “Meathead” Stivic, Lear transformou o endereço em um espaço de convivência intelectual e política durante quase duas décadas. Reiner frequentava aquela casa muito antes de imaginá-la como sua: jogou tênis no quintal, participou de jantares, discutiu ali televisão, cinema e política. A ligação entre os dois era profissional, afetiva e formativa.
Quando Reiner comprou a propriedade de Lear, já no início dos anos 1990, a escolha foi tudo menos casual. Era um gesto de continuidade quase simbólica: o lar do mentor tornava-se o espaço onde ele e Michele construiriam sua vida privada. Integrada à paisagem, protegida pelo jardim plantado décadas antes por Henry Fonda, a casa representava exatamente aquilo que Reiner sempre pareceu buscar fora das telas: permanência, memória, discrição. Era ali que o casal recebia amigos próximos, jantava sem cerimônia e mantinha uma rotina que, para quem observava de fora, parecia sólida, quase imune ao caos que costuma rondar vidas públicas.

O funeral, será privado e realizado ao longo da semana, seguindo a mesma lógica de contenção. Será uma despedida reservada, sem cerimônia pública, sem homenagens midiáticas ou discursos longos. Familiares e amigos próximos se reunirão longe das câmeras. Um gesto simples, mas carregado de significado diante da brutalidade do fim.
A partir de agora, o caso entra em sua fase mais previsível e, paradoxalmente, mais arrastada. A audiência inicial deve formalizar as acusações apenas na primeira semana de janeiro, e tudo indica que o processo seguirá por meses, talvez anos, especialmente se a defesa insistir em combinar transtornos mentais e dependência química como eixo central de argumentação. Até lá, pouco deve mudar no campo das informações públicas.
Há uma ironia dura em tudo isso. Rob Reiner construiu sua carreira contando histórias sobre vínculos humanos, escolhas morais, família e responsabilidade. Sempre protegeu sua vida privada, mantendo distância do espetáculo permanente da indústria. No fim, é justamente esse espaço íntimo — sua casa, sua rotina, sua família — que se transforma no epicentro de uma tragédia impossível de narrar sem desconforto. Uma história sem catarse, sem redenção e, por enquanto, sem respostas definitivas.
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