Hollywood adora mitologias grandiosas, mas algumas das mais duradouras nascem de gestos mínimos. Não de contratos, franquias ou campanhas calculadas, mas de hábitos repetidos até virarem linguagem comum. O chamado “bolo de Tom Cruise” pertence exatamente a essa categoria: um ritual afetivo, quase doméstico, que atravessou décadas sem jamais parecer estratégia.
O objeto do culto é o White Chocolate Coconut Bundt Cake, da Doan’s Bakery, uma padaria familiar em Woodland Hills, no San Fernando Valley. Nada de confeitaria cenográfica ou marca aspiracional. A Doan’s é o oposto disso: vitrine simples, produção artesanal, clima de bairro. E talvez seja justamente aí que começa o encanto.

O bolo não tem receita divulgada, mas é a peça assinatura da casa. Sabe-se o essencial: massa amanteigada, coco incorporado, chocolate branco, cobertura generosa de cream cheese e coco finalizando. É denso, úmido, direto. Um bolo que não tenta impressionar pela sofisticação técnica, mas pela sensação de conforto imediato. Um “bolo de casa”, elevado à perfeição por repetição e cuidado.
A tradição começa de forma quase banal e isso é crucial para entender por que ela funciona. Em 2008, Tom Cruise provou o bolo pela primeira vez por intermédio de Katie Holmes, então sua esposa. Holmes trabalhava com Diane Keaton no filme Mad Money, e Keaton já era fã assumida da Doan’s, que está no mesmo endereço desde que Karen Doan abriu seu negócio (ela ainda está à frente da administração, com seu filho, Eric). O caminho é revelador: não nasce do estrelato, mas da indicação casual entre colegas.
Cruise serviu o bolo em algumas festas, percebeu o efeito imediato — ninguém esquece aquele sabor — e, em algum ponto, decidiu transformá-lo em presente de fim de ano. Não como algo exclusivo ou personalizado, mas justamente como o contrário: o mesmo bolo, todos os anos, da mesma padaria. Um gesto simples, repetido com rigor quase ritualístico.


Com o tempo, a lista de destinatários cresceu. Amigos, colegas de elenco, diretores, produtores, equipes de set, executivos, agentes, jornalistas. O site da padaria cita alguns famosos desse mailing VIP: Barbara Walters, Jimmy Fallon, Cobie Smulders, Kirsten Dunst, Henry Cavill, James Corden, e Angela Bassett, entre outros. Receber o bolo virou um pequeno marcador simbólico de pertencimento: não exatamente intimidade, mas reconhecimento. “Trabalhamos juntos. Foi bom. Seguimos em contato”.
A imprensa de entretenimento, naturalmente, passou a observar e comentar. O bolo ganhou apelidos (“Tom Cruise Cake”, “Tom Cruise Christmas Cake”), virou assunto recorrente em dezembro e acabou cristalizado como um artefato cultural. Em 2025, o The Hollywood Reporter decidiu fazer o que todo mundo comentava, mas poucos tinham feito publicamente: sentar, cortar uma fatia e julgar o bolo. A matéria não tenta desmistificar. Pelo contrário. Trata o doce como aquilo que ele já é: um ritual compartilhado, quase inevitável, da indústria.
Há algo de deliciosamente contraditório em tudo isso. O bolo pode custar caro em serviços de entrega gourmet, pode esgotar rapidamente, pode circular entre estrelas, mas continua sendo comprado no balcão de uma padaria de bairro, por pessoas comuns, ao preço “normal” de um bom bolo artesanal. Nesse caso, cerca de 140 dólares ou seja, perto de 783 reais.

Mas a parte divertida é que ele não saiu do mundo real para virar símbolo. Ele virou símbolo justamente por nunca ter saído do mundo real.
Talvez por isso a tradição resista. Em uma indústria obcecada por reinvenção, o bolo permanece igual. Mesmo sabor. Mesmo formato. Mesmo gesto. Ano após ano. É uma forma silenciosa de continuidade em um ambiente movido por rupturas.
No fim, o bolo da Doan’s não é famoso apenas porque é bom. Ele é famoso porque carrega memória, e porque prova que, em Hollywood, às vezes o que mais permanece não é o espetáculo, mas o hábito. E essa lista é mega disputada. Quem não queria fazer parte dela?
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