Um Natal Surreal: sem afeto suficiente para sustentar a ideia

Há algo de interessante — e até promissor — na premissa de Oh. What. Fun. (divulgado no Brasil como Um. Natal. Surreal.). A ideia de um Esqueceram de Mim inverso, tanto que a referência é citada explicitamente, parte de um deslocamento simples e contemporâneo: não é a criança esquecida pela família, mas a mãe que desaparece do ritual para que sua presença, sua dedicação e seu trabalho emocional finalmente sejam percebidos.

O problema é que, para que essa ausência funcione dramaticamente, é preciso que o filme construa o que falta. E isso ele nunca faz.

O que se impõe desde o início é uma família ruidosa, permanentemente em atrito, mas sem o afeto subterrâneo que daria sentido às explosões. Em Esqueceram de Mim, a família é caótica, barulhenta, egoísta, mas reconhecível. Existe ali um vínculo que, mesmo frágil, sustenta o humor e a emoção. Aqui, os personagens parecem existir em registros distintos, como se cada um estivesse reagindo a um filme diferente.

A agressividade é constante e pouco elaborada. O cunhado em guerra aberta com a irmã da esposa, a irmã perpetuamente irritada, o irmão reduzido à ideia abstrata de alguém “à procura do amor”, o marido que verbaliza sentimentos que nunca se refletem em gesto, presença ou escuta real. São conflitos lançados em cena sem progressão, sem passado, sem consequência. Falta subtexto. Falta textura. Falta humanidade.

Isso é particularmente problemático porque o filme quer falar justamente de trabalho emocional invisível: da mãe que organiza, cuida, lembra, planeja, sustenta. Mas não faz o esforço equivalente de construir relações críveis. Pede empatia sem criar intimidade. Solicita reconhecimento sem antes estabelecer laço.

Michelle Pfeiffer, como era de se esperar, sustenta boa parte do filme com dignidade e inteligência. Há momentos em que sua personagem parece tocar algo verdadeiro, sobretudo quando o cansaço e a ironia se encontram. Mas ela está cercada por figuras que funcionam mais como dispositivos narrativos do que como pessoas. A ausência dela deveria gerar desconcerto, culpa, um vazio incômodo. Em vez disso, gera ruído.

No final, o filme deixa clara — clara demais — sua mensagem. Não é sutil, mas é sincera: o reconhecimento da dedicação materna é necessário, urgente e inegociável. Ao mesmo tempo, há a tentativa de afirmar que tradições não precisam ser rígidas; que famílias podem — e talvez precisem — aprender a criar novos rituais, menos automáticos, mais conscientes.

É uma boa mensagem. Só não é suficiente.

Sem química familiar, sem afeto reconhecível e com conflitos tratados de forma excessivamente agressiva e pouco lógica, o filme termina soando mais como um manifesto do que como uma experiência emocional. Um Natal que fala sobre família, mas nunca parece realmente habitá-la.


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