Adeus, June: Kate Winslet estreia como diretora na Netflix

Ao longo de mais de 30 anos de carreira, Kate Winslet sempre foi uma unanimidade quanto ao seu talento como atriz. Indicada ao Oscar praticamente desde o início — já em seu segundo filme, Razão e Sensibilidade —, construiu um corpo de trabalho inegavelmente invejável.

Que em algum momento ela passaria para trás das câmeras parecia uma aposta segura. A verdadeira dúvida era outra: como seria Kate Winslet como diretora?

Seu filme de estreia chega à Netflix como um presente de Natal: Adeus, June. Conhecida por dramas intensos, não surpreende que a história seja daquelas feitas para nos fazer chorar em pleno fim de ano. Afinal, despedidas e nostalgia costumam acompanhar o calendário quando ele nos obriga a reconhecer que mais um ciclo se encerra. Nem todos seguem conosco até o fim, assim como também nos despedimos de outros ao longo do caminho. O que chama atenção aqui é a sensibilidade de Winslet ao escolher uma história que reforça a prática cotidiana do afeto, da escuta e da presença.

Além de dirigir, Winslet também atua, e essa sobreposição de funções não soa como controle, mas como envolvimento. Adeus, June é um projeto claramente conduzido de dentro para fora, guiado por quem entende que histórias sobre luto exigem intimidade, tempo e cuidado: tanto no texto quanto no set.

A trama se passa às vésperas do Natal, quando uma piora abrupta no estado de saúde de June (Helen Mirren) obriga seus quatro filhos adultos a se reunirem no hospital. Julia (Winslet), Helen (Toni Collette), Molly (Andrea Riseborough) e Connor (Johnny Flynn) precisam suspender antigas tensões para enfrentar algo que nenhum deles sabe exatamente como nomear: a iminência da perda. Ao lado deles está Bernie (Timothy Spall), um pai desnorteado, entre o amor profundo e a incapacidade prática de aceitar o fim.

O roteiro de Joe Anders — filho de Winslet com Sam Mendes— nasce de uma memória pessoal, mas se expande para algo universal. Anders escreve uma história sobre morte que se recusa a ser soturna. O humor atravessa o filme como mecanismo de sobrevivência, não como alívio calculado. E isso é central: Adeus, June entende que o luto raramente se manifesta de forma “adequada”. Ele escapa, tropeça, ri no momento errado.

June, aliás, é a peça-chave dessa engrenagem emocional. Ela não é apenas a mãe doente em torno da qual tudo gira. Com ironia afiada, franqueza desconcertante e uma lucidez que não pede licença, ela orquestra a própria despedida. Decide como quer ser lembrada, como quer que seus últimos dias sejam vividos. Helen Mirren constrói essa mulher sem sentimentalismo excessivo: firme, amorosa e, sobretudo, ativa até o último instante.

Como diretora estreante, Winslet faz escolhas que revelam uma visão muito clara de cinema. O set foi pensado para favorecer vulnerabilidade: equipe reduzida, equipamentos discretos, atores microfonados individualmente, câmeras posicionadas para que a presença técnica quase desaparecesse. A prioridade era criar um ambiente de confiança absoluta. Não por acaso, as performances têm algo de desarmado, como se o filme estivesse menos interessado em “cenas” e mais em momentos.

Essa ética de cuidado se estende também à equipe criativa. Ao produzir o filme ao lado de Kate Solomon, sua parceira em Lee, Winslet decidiu conscientemente abrir espaço para novos talentos. O compositor Ben Harlan assina aqui sua primeira trilha para cinema; Alison Harvey estreia como designer de produção; Grace Clark lidera seu primeiro trabalho como figurinista-chefe. Não é apenas um dado de bastidor, é um posicionamento. “Eu acredito em levantar pessoas. Todo mundo precisa começar em algum lugar”, disse Winslet, e essa frase ecoa o espírito inteiro do filme.

O momento em que Connor lê para a mãe o poema “If There Are Any Heavens”, de E. E. Cummings, sintetiza bem a lógica do filme: delicadeza sem solenidade, emoção interrompida por humor, silêncio respeitado. Logo depois, o riso entra em cena quase como um reflexo involuntário, porque é assim que o luto costuma funcionar.

Quando fica claro que June não chegará ao Natal, a família antecipa a data e transforma o hospital em palco para “o melhor Natal do mundo”. Há fantasias, crianças, uma encenação improvisada do presépio. Cercada por filhos, netos e pela continuidade da vida, June morre. Não como ruptura abrupta, mas como parte de um gesto coletivo de amor.

Ao estrear como diretora com uma história sobre o fim, Kate Winslet parece fazer uma declaração silenciosa sobre o próprio ato de criar: dirigir também é estar presente. Adeus, June não oferece respostas fáceis nem discursos edificantes. Ele apenas lembra — com uma honestidade rara — que um bom adeus não elimina a dor, mas nos obriga a amar melhor enquanto ainda há tempo. E que talvez o Natal exista justamente para isso: nos reunir, por um instante, em torno do que realmente importa.


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