Durante anos, a ideia de continuar Peaky Blinders existiu num território nebuloso, feito de promessas, entrevistas desencontradas e expectativas infladas. Havia, sim, um plano inicial: a história da família Shelby deveria terminar ao som das sirenes da Segunda Guerra Mundial. Mas a realidade — como tantas vezes na trajetória de Tommy — impôs um desvio brutal.
A morte de Helen McCrory, em 2021, mudou tudo. Polly Gray não era apenas uma personagem central; ela era o eixo moral, político e afetivo da série. Sua ausência tornou inviável qualquer continuação que fingisse estabilidade narrativa. Some-se a isso a pandemia, o desgaste natural após seis temporadas densas e a recusa de Steven Knight em transformar Peaky Blinders num produto que se arrasta por inércia. O resultado foi uma escolha clara: não haveria sétima temporada. Haveria um filme. Um ponto final.
Esse filme atende pelo nome de The Immortal Man, e o título diz muito mais do que parece.


A ideia de imortalidade sempre rondou Tommy Shelby. Não como dom, mas como castigo. Ele sobrevive a guerras, traições, perdas familiares, colapsos mentais e à própria ascensão política. Outros caem; ele continua. O “homem imortal” é aquele condenado a seguir em frente quando tudo ao redor desmorona.
Agora, essa condição é levada ao limite.
Ambientado em 1940, em plena Segunda Guerra Mundial, o filme desloca Tommy de um exílio autoimposto de volta ao centro do caos. Não é mais o gângster elegante tentando se legitimar em Westminster. É um homem confrontado simultaneamente por dois colapsos: o do mundo — em guerra total — e o seu próprio legado. A sinopse oficial não poderia ser mais direta ao espírito da série: com o futuro da família e do país em jogo, Tommy precisa decidir se enfrenta os fantasmas que construiu ou se queima tudo de uma vez.
O salto temporal é decisivo. Ele permite que The Immortal Man não seja refém das ausências, nem das repetições. Não tenta substituir Polly, nem reconstruir artificialmente a dinâmica da série. Em vez disso, reposiciona Tommy num tabuleiro maior, histórico, onde o crime organizado se mistura definitivamente com política, guerra e reconstrução nacional.
É também por isso que o filme nasce com vocação de encerramento. Cillian Murphy, que retorna não só como protagonista, mas também como produtor, descreveu o projeto como um “bookend” — um fecho adequado para mais de 36 horas de televisão. Não nostalgia. Responsabilidade. Um gesto de dever para com o público que transformou Peaky Blinders em fenômeno cultural.

A direção fica nas mãos de Tom Harper, que esteve na gênese visual da série, garantindo continuidade estética, mas o tom promete ser outro: mais concentrado, mais político, mais existencial. The Immortal Man não parece interessado em repetir a lógica de ciclos de ascensão e queda. Ele quer perguntar algo mais incômodo: o que sobra de um homem que venceu todas as batalhas erradas?
O elenco reforça essa sensação de reinvenção dentro do mesmo universo. Além do retorno de Arthur Shelby, o filme introduz figuras interpretadas por Rebecca Ferguson, Barry Keoghan e Tim Roth, cujos personagens seguem envoltos em mistério, como convém a uma narrativa que quer deslocar forças, não apenas reafirmá-las.
Há ainda um simbolismo importante fora da tela: o filme teve estreia nos cinemas marcada para março de 2026, antes de chegar à Netflix. Peaky Blinders termina como começou — grande, estilizado, consciente de seu peso cultural. Cinema, não série. Evento, não temporada.
Isso não significa o fim do universo criado por Knight. Pelo contrário: o próprio criador já confirmou novas histórias ambientadas nos anos 1950, focadas na reconstrução de Birmingham e numa nova geração de Shelbys. Mas The Immortal Man deixa claro que essa é outra conversa. Outro ciclo. Outra era.
O filme existe para encerrar uma pergunta específica: quem é Tommy Shelby quando o mundo que o definiu deixa de existir?
Talvez a resposta esteja no título. A imortalidade não é glória. É sobrevivência prolongada. E, em Peaky Blinders, sobreviver sempre teve um preço alto demais.
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