Entrando em 2026, se falarmos de Hollywood, falaremos de prêmios. Isso até março, com o Oscar. Mas antes de qualquer previsão ou bolão, há artistas que já estão certos para receber honrarias, entre eles, Sarah Jessica Parker, a homenageada de 2026 do Carol Burnett Award.
É verdade que a memória recente nos leva imediatamente a And Just Like That, uma continuação que dividiu opiniões. Ainda assim, a escolha pareceu óbvia para alguns, questionável para outros, e é exatamente por isso que ela faz sentido. O Carol Burnett Award não existe para coroar trajetórias imaculadas, mas para reconhecer presenças que resistem ao tempo: mesmo quando tropeçam, mesmo quando erram, mesmo quando insistem em ocupar espaço em um meio que muda sem pedir licença. Nesse sentido, Sarah Jessica Parker se impõe.
Sua carreira não se sustenta em um único papel, mas é impossível fingir que não existe um antes e um depois de Carrie Bradshaw. E talvez o ponto central desse prêmio esteja justamente aí: quando um personagem deixa de ser apenas papel e vira linguagem cultural, a atriz que o sustenta passa a carregar algo maior do que sucesso. Carrega responsabilidade histórica.

Antes de Carrie: uma carreira sólida, mas dispersa
Antes de se tornar o rosto de uma geração televisiva, Parker construiu uma carreira extensa e curiosamente irregular. Começou ainda criança no teatro — Annie —, passou por filmes adolescentes como Footloose e Girls Just Want to Have Fun, e frequentou o cinema adulto em papéis coadjuvantes ou projetos de médio alcance (L.A. Story, Ed Wood, Honeymoon in Vegas).
Era uma atriz conhecida, respeitada, mas nunca central. Faltava um eixo. Faltava uma personagem que reorganizasse tudo aquilo retroativamente, como costuma acontecer com carreiras que encontram, tardiamente, o papel certo.
Esse papel chegou em 1998.
Sex and the City: quando a TV mudou de assunto e de protagonista
Sex and the City não foi apenas um sucesso. Foi um ponto de inflexão. A série ajudou a redefinir o que a televisão adulta podia discutir abertamente — desejo feminino, amizade entre mulheres, dinheiro, solidão, envelhecimento, escolhas mal feitas — sem recorrer à moralização automática.
Carrie Bradshaw não era exemplo. Era contradição ambulante. Vaidosa, insegura, brilhante, egoísta, generosa, infantil, lúcida; muitas vezes tudo ao mesmo tempo. E Sarah Jessica Parker entendeu algo essencial desde o início: Carrie precisava ser vivida sem defesa. Não era uma personagem para ser “salva” pela atriz, mas exposta por ela.

O resultado foi histórico. Parker venceu quatro Golden Globes por Sex and the City. A série levou três Globes consecutivos como Melhor Comédia. Mais do que isso, Carrie virou referência estética, narrativa e simbólica. A moda deixou de ser figurino para virar texto. Nova York deixou de ser cenário para virar personagem. A coluna semanal virou dispositivo dramático.
A televisão nunca mais foi exatamente a mesma depois disso, sobretudo para protagonistas femininas.
O peso de sobreviver ao próprio mito
O problema de criar algo tão definidor é que tudo o que vem depois passa a ser medido por esse padrão. E aqui começam as áreas mais incômodas da trajetória de Parker, aquelas que o Carol Burnett Award não ignora, mas incorpora.
Em Divorce, ela tentou se afastar do brilho de Carrie e apostar numa comédia amarga sobre o fim do casamento. O resultado foi correto, mas morno. Faltou risco. Faltou a centelha que transformasse observação em diagnóstico cultural. Divorce nunca foi um fracasso, mas também nunca foi indispensável.

Já And Just Like That carrega um fardo maior: o de revisitar um fenômeno sem conseguir atualizá-lo com a mesma organicidade. A série acerta em reconhecer o tempo — envelhecimento, luto, deslocamento —, mas desanda na execução, na ansiedade de correção, na sensação de que está sempre respondendo a críticas externas em vez de escutar suas próprias personagens.
E ainda assim — talvez aqui esteja o ponto mais honesto — o impacto continua.
Porque mesmo quando And Just Like That falha, ela o faz em praça pública. Ela gera debate, frustração, análise, rejeição, defesa. Continua sendo vista, discutida, cobrada. Isso não é irrelevância. É centralidade cultural em desgaste, algo muito diferente de esquecimento.
O que o Carol Burnett Award realmente reconhece em Parker
O Carol Burnett Award não está dizendo que Sarah Jessica Parker teve uma carreira perfeita. Está dizendo algo mais interessante: que ela ajudou a estruturar um eixo da televisão moderna, e que esse eixo segue sendo tensionado, revisitado e questionado, muitas vezes pela própria obra.
Assim como a atriz Carol Burnett redefiniu o espaço da mulher no humor de horário nobre, Parker ajudou a redefinir o espaço da mulher adulta como protagonista complexa, falha e desejante na TV premium. Uma abriu caminho para comandar o palco. A outra, para ocupar o centro da narrativa sem pedir licença nem absolvição.

Legado, no fim das contas, não é sobre acertar sempre. É sobre atravessar as mudanças sem desaparecer do debate. É sobre seguir como referência mesmo quando o presente é desconfortável. É sobre carregar uma personagem — e tudo o que ela representa — sabendo que ela já não pertence apenas a você.
Carrie Bradshaw pertence à história da televisão. E Sarah Jessica Parker, gostemos ou não de seus projetos mais recentes, pertence a esse mesmo capítulo. É isso — e não a nostalgia — que o Carol Burnett Award reconhece.
Descubra mais sobre
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.
