Marvel em 2026: onde o MCU está e o que pode vir a seguir

Durante mais de uma década, a Marvel contou uma história contínua como poucas vezes o cinema conseguiu fazer. Não se tratava apenas de filmes conectados por easter eggs, mas de um projeto narrativo cumulativo, com começo, meio e fim claramente desenhados. Esse fim aconteceu em Avengers: Endgame, que encerrou a Saga do Infinito e, junto com ela, um modelo de construção dramática baseado em acumulação, recompensa e consequência. O problema não foi terminar essa história, mas o que veio depois.

Endgame não fechou apenas um arco. Ele retirou do centro do tabuleiro personagens que funcionavam como pilares emocionais e simbólicos. Tony Stark, Natasha Romanoff e Steve Rogers não saíram de cena por conveniência ou desgaste criativo, mas por encerramento dramático definitivo. Essas mortes e despedidas são canônicas, irreversíveis dentro da linha principal do MCU, aquilo que nos bastidores se chama de “morte morrida”. Ao cumprir essa promessa de consequência, a Marvel também criou um vazio narrativo difícil de preencher. Perdeu o gênio que organizava o caos, o sacrifício que dava peso moral às decisões e o símbolo que oferecia direção ética.

A fase seguinte tentou responder a esse vazio expandindo o universo em duas direções ao mesmo tempo. Vieram as séries, pensadas para aprofundar personagens secundários e trabalhar temas como luto, identidade e poder de forma mais íntima. E veio o multiverso, apresentado como a nova engrenagem estrutural da franquia. Filmes como Spider-Man: No Way Home e Doctor Strange in the Multiverse of Madness deixaram claro, de forma oficial, que múltiplas realidades coexistem e que essas realidades podem colidir. A partir daí, o conflito deixou de ser apenas físico ou moral e passou a ser sistêmico.

O efeito colateral dessa escolha foi a fragmentação. Para o espectador leigo, que não acompanha todas as séries nem consome cada lançamento como etapa obrigatória, o MCU passou a parecer um universo em expansão constante, mas sem um centro claro. Hoje, nos filmes, não existe um time formal de Vingadores em atividade. Não há uma liderança que substitua o papel simbólico de Tony Stark ou Steve Rogers. Tampouco existe um antagonista central consolidado que organize a ameaça da saga atual. O multiverso é um problema conhecido, mas não controlado, e isso coloca o MCU num estágio muito específico: o intervalo entre o colapso de um sistema antigo e a tentativa de construção de um novo.

Essa perda de eixo fica ainda mais evidente quando se olha para os vilões introduzidos após Thanos. Durante anos, a Marvel construiu antagonistas como forças de longo prazo, capazes de sustentar múltiplos filmes. Na fase recente, isso se perdeu. Vilões foram apresentados como ameaças estruturais e descartados cedo demais, antes de amadurecer dramaticamente. Outros foram reformulados tantas vezes que perderam coerência. O caso mais emblemático é Kang. Planejado como o grande eixo da Saga do Multiverso, Kang dependia inteiramente da presença de Jonathan Majors, que interpretava suas múltiplas variantes. Quando Majors foi demitido pela Disney após condenação judicial em um caso de agressão e assédio, o impacto foi direto e inegável. Não se trata de leitura crítica ou rumor: o projeto ruiu por um fator externo, e o vilão desapareceu do centro da narrativa porque o estúdio precisou redesenhar seus planos às pressas. Kang não foi derrotado de forma clássica; ele foi esvaziado por uma crise de bastidor que tornou inviável sustentá-lo como eixo de longo prazo.

Ao mesmo tempo, algumas apostas funcionaram, ainda que de forma isolada. Loki, reformulado na série que leva seu nome, tornou-se narrativamente mais relevante depois de sua morte do que jamais havia sido antes, justamente porque passou a operar no nível estrutural do universo. Wanda Maximoff ganhou densidade emocional e complexidade, mesmo que sua trajetória tenha sido encerrada de forma apressada e controversa. Esses acertos, porém, não se somaram num todo coeso. Permaneceram como ilhas de interesse num arquipélago cada vez mais disperso.

Outros personagens e subtramas simplesmente ficaram pelo caminho. Consequências políticas sugeridas em filmes anteriores nunca foram exploradas a fundo. A reação global à existência de deuses, alienígenas e seres capazes de alterar a realidade segue superficial. Debates morais levantados na Saga do Infinito foram abandonados em nome da velocidade e da multiplicação de conteúdos. Não são mistérios aguardando solução futura, mas escolhas conscientes de seguir adiante, mesmo que isso enfraqueça a sensação de propósito.

É nesse cenário que as HQs voltam a ser consultadas menos como nostalgia e mais como fonte de estrutura. Quando os sistemas falham, quando os heróis se mostram insuficientes, as histórias em quadrinhos da Marvel costumam recorrer a figuras que não representam o caos, mas a promessa inquietante de ordem. Entre elas, nenhuma é mais recorrente ou mais complexa do que Doctor Doom. Doom não é um vilão destrutivo no sentido clássico. Ele é um governante, um estrategista, alguém que acredita que o problema da humanidade não é a falta de poder, mas a incapacidade de administrá-lo. Nas HQs, já salvou a realidade, já governou o que restou dela e já ocupou papéis tradicionalmente associados a heróis quando julgou necessário. Sua função não é ser derrotado e descartado, mas persistir como alternativa de ordem quando os modelos anteriores entram em colapso.

É nesse contexto que o nome de Robert Downey Jr. reaparece com tanta insistência. Aqui é fundamental separar fato de especulação. Não existe anúncio oficial confirmando seu retorno ao MCU, nem sua escalação como Doctor Doom. O que existe é uma leitura clara de mercado e de linguagem: Downey foi o rosto da primeira era do estúdio, e qualquer menção a ele carrega peso simbólico imediato. A pergunta relevante não é se um ator pode voltar após interpretar um herói definidor, mas se a narrativa consegue sustentar isso sem se tornar refém da nostalgia. Nos quadrinhos, a ligação que parte dos fãs aponta entre Doom e Tony Stark não é literal, mas conceitual. Ambos ocupam territórios intelectuais semelhantes, marcados por confiança absoluta no próprio raciocínio, fé em soluções tecnológicas e disposição para ultrapassar limites “pelo bem maior”. A diferença está no percurso moral. Stark aprende a recuar. Doom jamais aceita limites externos.

Essa proximidade temática, e não uma equivalência de identidade, é o que torna a ideia discutível para parte do fandom. Doom não precisa ser variante de Tony Stark, e tratá-lo assim empobreceria os dois personagens. A máscara, constante nas HQs, ajuda justamente a separar ator e personagem, caso esse caminho venha a ser seguido. Ainda assim, o risco é evidente: o público projetar Stark sobre Doom e transformar um antagonista complexo num eco distorcido do herói perdido. Evitar isso exigiria uma abordagem fria, controlada e sem atalhos emocionais, algo que a Marvel nem sempre demonstrou conseguir sustentar.

Nesse ponto, surge a pergunta que insiste em retornar entre os espectadores mais atentos: se o multiverso existe, por que Tony Stark e Natasha Romanoff não têm versões paralelas circulando por aí? Por que suas mortes continuam sendo tratadas como definitivas quando a própria realidade é plural? Aqui, mais uma vez, a resposta não é científica nem de lore, mas narrativa. O MCU estabeleceu deliberadamente que a história que acompanhamos está ancorada em uma continuidade específica, frequentemente chamada de Terra-616. Dentro dessa linha, a morte precisa ter peso, porque é ela que define consequência. Versões paralelas podem existir em outros universos, mas não são intercambiáveis sem comprometer a lógica emocional da saga.

No caso de Natasha, há ainda um detalhe de bastidor que costuma ser simplificado demais. É verdade que Scarlett Johansson entrou em conflito público com a Disney por causa do lançamento híbrido de Black Widow durante a pandemia, em um processo que envolveu quebra de contrato e terminou em acordo financeiro. Isso aconteceu e foi amplamente documentado. Mas Natasha não morreu por causa dessa briga. A decisão de encerrar a personagem em Endgame é anterior, criativa e estrutural, pensada como parte do fechamento da saga. O embate apenas consolidou o ponto final, tornando desnecessária — e improvável — qualquer tentativa posterior de retorno da atriz como intérprete da personagem, mesmo em contextos mais flexíveis como o multiverso.

Essa distinção ajuda a entender o momento atual da Marvel. Alguns personagens desapareceram porque projetos inteiros ruíram por fatores externos imprevisíveis, como aconteceu com Kang. Outros permanecem ausentes porque a narrativa exige que permaneçam ausentes, como Natasha e Tony Stark. Misturar essas duas categorias cria confusão, especialmente quando o multiverso parece prometer infinitas soluções para tudo. O MCU, no entanto, traçou sua linha: o multiverso existe, mas não serve para apagar consequências nem para funcionar como borracha emocional.

Hoje, a Marvel se encontra num momento de ajuste tardio, mas necessário. Depois de experimentar demais e espalhar sua narrativa em múltiplas direções, precisa recentralizar seu universo. Não se trata de repetir o passado nem de ressuscitar símbolos por conforto emocional, mas de decidir que tipo de ordem substitui aquela que terminou em Endgame. Os vilões descartados, os personagens que resistiram, as tramas abandonadas, as interferências de bastidor e as mortes que permanecem intocáveis apontam todos para a mesma constatação: o MCU deixou de ser apenas sobre salvar o mundo da destruição e passou a ser sobre decidir quem tem o direito de moldá-lo quando a sobrevivência já não é mais a questão central.

A volta de Steve Rogers, Thor e X-Men

Nos últimos meses, esse movimento de reorganização ganhou um novo combustível: o buzz em torno de teasers, vazamentos controlados e rumores insistentes sobre aparições pontuais em Avengers: Doomsday. Não se trata de confirmações oficiais, mas de sinais claros de como a Marvel testa a temperatura do público antes de tomar decisões irreversíveis.

Entre os nomes mais comentados estão Thor e Steve Rogers. No caso de Thor, o interesse não surpreende. Ele é, hoje, o último grande elo ativo com a era fundadora dos Vingadores ainda em cena, alguém que atravessou todas as fases do MCU e cuja presença carrega memória, continuidade e escala mítica. Sua aparição em Doomsday, ainda que breve, funcionaria menos como nostalgia e mais como marcador de transição: o fim definitivo de uma geração que resistiu ao colapso.

Já Steve Rogers ocupa um lugar diferente e mais delicado. Os rumores não falam de retorno pleno nem de anulação de sua despedida em Endgame, mas de uma presença pontual, possivelmente como variante, memória ou ponto de referência moral dentro de um multiverso em crise. A simples menção do personagem reacende debates porque Steve nunca foi apenas um herói, mas um parâmetro ético. Usá-lo novamente exige precisão cirúrgica para não diluir o peso de sua saída original.

O terceiro foco de atenção é ainda mais simbólico: a possibilidade de aparições dos X-Men originais, associados à era pré-MCU. Aqui, o movimento é claramente estratégico. Não se trata de introduzir definitivamente os mutantes, mas de reconhecer, dentro do próprio texto cinematográfico, que há uma história da Marvel fora do MCU que o multiverso agora permite tocar. Essas aparições funcionariam como ponte, não como solução, preparando o terreno para uma integração futura mais orgânica.

O ponto comum entre esses rumores é que nenhum deles aponta para retornos longos ou permanentes. O que está em jogo é o uso calculado de rostos e símbolos conhecidos como ferramenta de estabilização narrativa. A Marvel parece ter aprendido que o multiverso não sustenta uma saga apenas com novidade. Ele precisa de memória, de contraste e de figuras que ajudem o público a entender onde está o centro emocional da história.

Se Doomsday realmente operar nesse registro, com participações pontuais e altamente controladas, o filme pode funcionar não como catarse nostálgica, mas como ajuste fino de eixo. Não para dizer que tudo volta, mas para deixar claro o que fica para trás e o que, finalmente, pode avançar.


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