O filme Emily se propõe a decifrar um dos mistérios mais discutidos da literatura: quem foi, afinal, Emily Brontë?
A verdadeira Emily Brontë teve uma vida curta: morreu aos 30 anos, solteira, marcada por uma timidez tão intensa que muitos relatos a descrevem como uma pessoa fechada, quase apática, distante do convívio social. E é justamente por causa desse retrato que tantos leitores de seu único romance, O Morro dos Ventos Uivantes, se espantam ao encontrar ali um amor tão tóxico, carnal, obsessivo e egocêntrico. Como alguém que jamais teve um namorado pôde imaginar algo tão violento e arrebatado? Entre os que desafiam essa visão quase mística da criação está a atriz e diretora Frances O’Connor, que estreia justamente como roteirista e diretora com esta biografia ficcional.
Emily incomoda estudiosos das irmãs Brontë pela liberdade que Frances tomou ao “imaginar” romances, situações e traumas como chaves interpretativas da obra. Embora entregue um filme romântico bonito, ela desloca para Emily uma história que, na realidade, pertenceu a Anne Brontë: o romance com o pastor William Weightman, vivido no filme por Oliver Jackson-Cohen.
Se o público encarasse isso abertamente como fantasia, seria uma licença poética legítima. Mas em tempos em que reescrever biografias virou quase um hobby em Hollywood, Emily se torna um exemplo delicado de como um filme pode ser perigoso justamente por ser belo — apoiado em fatos deturpados.


Tecnicamente, porém, o roteiro e a direção de Frances são impecáveis, firmes e emocionalmente potentes. Fã declarada da escritora, ela entendeu a força de sua obra como “uma história pedindo para ser contada”, e recusou a via do biopic tradicional. O resultado é uma narrativa sensível, envolvente, ainda que historicamente questionável.
Emma Mackey está maravilhosa no papel de Emily, e é comovente a dinâmica da família Brontë no filme. Mas é inevitável notar que o romance real entre Anne — frequentemente descrita como a mais bela das irmãs — e Weightman foi transferido integralmente para a heroína.
Uma heroína que nasceu há mais 205 anos e que escreveu, há mais de 175, um dos maiores clássicos da literatura inglesa. O impacto cultural de O Morro dos Ventos Uivantes segue gigantesco, e eu sou do grupo que admira ainda mais a capacidade de imaginação de Emily justamente por ela não ter vivido nada daquilo que descreveu com tamanha intensidade.

Criatividade não tem relação direta com a realidade, pena que essa regra não se aplique totalmente aqui. Emily é, sim, um belo filme de amor. Mas é, paradoxalmente, menos criativo do que a história verdadeira que o inspirou.
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