A maior surpresa “esquecida” de Watergate: Dorothy Hunt

O escândalo de Watergate, para estrangeiros pelo menos, é lembrado 51 anos depois como um dos maiores furos jornalísticos que derrubaram um presidente, mas pouco se entende como a atrapalhada operação de espionagem liderada por homens contratados pela Casa Branca não foi imediatamente material de comédia. Filmes, livros e séries ressaltaram ao longo dos anos a trama política, o envolvimento dos homens do presidente Nixon e raramente deram crédito às mulheres que também foram vítimas ou vozes ativas no fato.

A mais famosa de todas foi Martha Mitchell, cuja história gerou um sinônimo ao termo de gaslighting e apontada como o elo que arruinou a tentativa do governo republicano de abafar o escândalo. Julia Roberts estrelou a série Gaslit que é de alguma forma a semente de Os Encanadores da Casa Branca (The White House Plumbers), da HBO. Aqui preciso fazer um mea culpa porque o timing do lançamento dessa série foi péssimo pela HBO Max e esse excelente conteúdo ficou praticamente Escondido na grade e na plataforma, durante as temporadas finais de Barry e Succession, perdendo a atenção que merecia. Eu mesma deixei de lado analisar cada episódio e foi um erro.

A ligação de Gaslit e Os Encanadores da Casa Branca (The White House Plumbers) começa porque 50 anos depois, não há como deixar de rir da incompetência de circo dos homens envolvidos com a simples operação de escuta e espionagem, algo que a série da Starplus, embora um drama que mostre como Martha Mitchell foi maltratada e abusada quando revelou os bastidores da conspiração, foi o bate-cabeça entre os homens que nos deixou atônitos de como um dia alguém pensou que aquilo daria certo. Mas, o que nenhum dos bons conteúdos sobre a história mostrou, e mesmo em Os Encanadores da Casa Branca (The White House Plumbers) é uma personagem coadjuvante, é a história de Dorothy Hunt – vivida pela maravilhosa Lena Headey – a esposa de E. Howard Hunt (Woody Harrelson), um dos líderes da operação e suspeito inclusive de ter sido envolvido no assassinato de John F. Kennedy. Junto com G. Gordon Liddy (Justin Theroux) e outros, Hunt foi um dos “encanadores” da administração Nixon, uma equipe de agentes encarregados de identificar fontes governamentais de “vazamentos” de informações de segurança nacional para terceiros. Honestamente, a série foi incrível mas teria sido ainda mais se fosse com Dorothy no centro da trama.

Dorothy Wetzel Hunt era uma agente da CIA, ou seja, uma espiã de carreira, que começou a trabalhar ainda nova. No final da Segunda Guerra Mundial, ela trabalhou pelo governo americano ajudando a localizar tesouros nazistas, sendo depois transferida para China, antes de voltar para Europa, onde conheceu e se casou com E. Howard Hunt, escritor e também agente do governo. Os dois tiveram três filhos e se transferiram para Washington D. C., onde seguiram trabalhando. Todos concordam que Dorothy era o cérebro do casamento, uma mulher inteligente que circulava com habilidade em um universo machista. Dorothy morreu em um ultra suspeito acidente aéreo – no auge do escândalo de Watergate!

Como um acidente aéreo com mais de 40 mortes, incluindo a esposa de um dos principais acusados e investigados do Caso Watergate, nunca ganhou proeminência? Pois é, porque a defesa sempre foi uma trágica coincidência, algo que a série da HBO descarta, abraçando a versão de complô. Afinal, havia um agente do FBI no vôo 553 da United Airlines, assim como uma jornalista da CBS e a bolsa de Dorothy tinha ultra suspeitos 10 mil dólares. Além disso, pouco antes de embarcar, ela pagou por um seguro de vida de 250 mil dólares, pagáveis ao marido caso acontecesse algo com ela. Acredita-se, como vemos na série, que Dorothy estava revelando para a imprensa os detalhes do que aconteceu em Watergate quando o Boeing 737-222 caiu durante um pouso abortado e tentava retornar ao Aeroporto Internacional Midway de Chicago.

O acidente, que aconteceu em dezembro de 1972, é citado como o ponto onde a história mudou para os acusados. Na época, provavelmente apoiado por Dorothy, E. Howard Hunt ameaçou revelar detalhes de quem o pagou para organizar a invasão de Watergate. Além disso, sabe-se que nos meses anteriores à sua morte, ela estava publicamente chateada com a falta de pagamento para o marido e os associados da ação criminosa e que teria dito ao advogado William O. Buttmann que o marido tinha informações que “explodiriam a Casa Branca”. Tudo que colabora para deixar uma sombra de dúvidas sobre o acidente providencial que a calou para sempre.

Após a queda do vôo 553 da UA, Hunt se manteve calado e abstendo de denunciar outros participantes, sendo condenado a 33 meses de prisão. O que deixa os adeptos da versão conspiratória ainda mais certos do que houve é que, apesar dos relatórios indicarem erro humano do piloto, testemunhas alegam que momentos após a queda, a região foi tomada por agentes do FBI e da CIA à paisana, que vasculharam os destroços procurando por algo.

Outra suspeita que alguns apostam como fato é que Dorothy Hunt teria tido uma reunião com a reporter da CBS, Michelle Clark, que estava no mesmo fatídico vôo. Michele, aliás, merecia igualmente uma série sobre sua breve vida. Ela é da turma de 1972 do Curso de Jornalismo da Universidade de Columbia (onde estudei) e apontada como a primeira apresentadora de televisão afro-americana. Ela também estava investigando o escândalo de Watergate quando pegou o vôo entre Washington e Chicago.

Apenas dezoito passageiros sobreviveram ao acidente, que foi atribuído a mau funcionamento do equipamento e erro do piloto. No dia seguinte, o assessor de Nixon, Egil Krogh foi nomeado Subsecretário de Transporte, supervisionando as agências encarregadas de investigar a queda do avião, algo que rapidamente foi encerrado. E só piora. Desde sempre houve suspeita de que Dorothy Hunt foi assassinada, até porque, além dela e da repórter, também estavam no mesmo vôo dois advogados que trabalhavam em uma investigação de ações suspeitas de corrupção do procurador-geral John N. Mitchell (marido de Martha).

Com tanta revisão de como a História foi escrita, essas vozes ‘caladas’ e jamais exploradas poderiam trazer um novo olhar para os fatos. Eu assistiria!


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4 comentários Adicione o seu

  1. Poderiam mesmo fazer uma série sobre a repórter e sobre a esposa de Hunt.
    Seria um drama talvez,porém bem interessante de se ver!!
    Parabéns pela sua postagem

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  2. A serie da HBO até que foi legal e interessante e me fez lembrar muito da série sobre Marhta….outra série ótima

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    1. Sim, Gaslit! Com a Julia Roberts. Postei sobre ela também

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